
Num artigo anterior, abordámos a persistência de uma certa representação social dos Psicólogos/as como seres quase imunes à vulnerabilidade emocional. Afinal, como é que alguém que ajuda outras pessoas a enfrentar e a resolver problemas pode, ela própria, necessitar de ajuda? Esta crença é frequentemente internalizada, gerando resistência ou mesmo vergonha em procurar um (outro) Psicólogo/a.
Mas, independentemente da sua formação, especialização ou experiência, os Psicólogos/as são pessoas. Todos/as temos histórias, emoções, limites e problemas. Podemos enfrentar crises pessoais, perdas, stresse, burnout ou outras adversidades que podem afetar a nossa Saúde Psicológica e bem-estar. A própria natureza do nosso trabalho expõe-nos a riscos acrescidos. Reconhecer que somos tão vulneráveis como qualquer outra pessoa não é uma fraqueza – é consciência ética e maturidade profissional. O respeito pela profissão implica zelar pela nossa principal ferramenta de trabalho (nós), praticando o que “pregamos”: o (auto)cuidado para com a Saúde Psicológica. De resto, existem diversos modelos em que o acompanhamento terapêutico é um requisito da formação dos profissionais.
Esta jornada tem particularidades. É natural que o nosso padrão de autoexigência atrase a procura de ajuda psicológica (“se sou Psicólogo/a, porque é que não resolvo isto sozinho/a?”). É também natural que tendamos a fazer autodiagnósticos ou que interpretemos a relação terapêutica com filtros profissionais, como se fosse uma intervisão. Em muitos casos, podem existir dificuldades em baixar defesas e mostrar vulnerabilidade, por receio de parecer menos competente aos olhos de um/a colega. Estes aspetos refletem a crença distorcida de que o nosso conhecimento é suficiente para resolver as nossas próprias questões. Mas, podendo até ser útil na compreensão das dificuldades, esse conhecimento dificilmente evita que surjam ou que soframos com elas. A mudança vai além do saber: Envolve reflexão, trabalho, tempo. E confiança.
Algumas estratégias podem ajudar a ultrapassar estas barreiras. Podemos, por exemplo, começar por falar com um amigo/a-Psicólogo/a – não para efeitos terapêuticos, mas para que nos apoie na desconstrução do “mito do/a Psicólogo/a invencível” e nos aponte na direção certa. O passo seguinte é escolher um/a Psicólogo/a. Face aos receios clássicos, é recomendável que se trate de alguém exterior ao círculo profissional imediato, capaz de oferecer um espaço neutro, seguro e com papéis bem definidos (o papel de cliente é bem diferente do papel de colega). É também importante o esforço consciente para comunicar sem constrangimentos – por exemplo, abordando de forma direta os motivos do nosso eventual desconforto ou aceitando com naturalidade o uso de uma linguagem mais técnica (será natural entre Psicólogos/as).
Procurar ajuda pode não ser fácil. Mas a evidência assinala que mais de 90% dos/as “Psicólogos/as que vão ao/à Psicólogo/a” colhe grandes benefícios – não apenas pessoais, mas profissionais. O processo terapêutico favorece o autoconhecimento, ajudando a reduzir vieses e identificar aspetos inconscientes na nossa própria prática. Os estudos mostram que “sentar no lugar do/a cliente” promove ainda o desenvolvimento empático (ajudando a fortalecer a aliança terapêutica quando nos sentamos no lugar do costume) e uma maior valorização do nosso trabalho, reforçando a convicção de que produz mudanças reais e benéficas na vida das pessoas – e na nossa! Por fim, ainda que não se trate de intervisão, supervisão ou mentoria, a observação da atuação de um/a colega parece contribuir para o desenvolvimento das nossas competências técnicas e alargamento do conhecimento e repertório profissional. Em suma, procurar ajuda psicológica quando não nos sentimos bem não é apenas humano e necessário: é útil. Torna-nos melhores profissionais. De que é que estamos à espera?
(*) Este artigo é dedicado aos meus colegas Andresa, Nuno e Pedro
