PsiCarreiras

logo-psicarreiras
Blog

Onde está a Psicologia… no combate à pobreza?

Em Portugal, a pobreza tem resistido a mudanças de ciclos económicos e alternâncias políticas. Nem períodos de crescimento, nem os apoios sociais conseguiram, até hoje, reduzir o núcleo persistente de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza. As famílias monoparentais, os agregados com três ou mais filhos, os idosos com baixas pensões e, sobretudo, as crianças, continuam entre os mais vulneráveis. Mesmo entre quem trabalha, a pobreza persiste, afectando especialmente os trabalhadores com contratos precários e a prazo.

Há muito que a pobreza deixou de se resumir ao rendimento disponível. Soma-se à dificuldade no acesso à habitação, à saúde, à educação ou à alimentação. Há famílias que não conseguem manter a casa aquecida no inverno, ou que dependem de redes informais para resolver despesas inesperadas. Trata-se de um processo cumulativo, em que as privações se sobrepõem e se mantêm.

A estrutura do país reforça essa continuidade. Um mercado laboral segmentado, desigualdades regionais, níveis baixos de qualificação e a capacidade de resposta limitada da protecção social tornam inevitável que a pobreza se reproduza geração após geração. Com efeito, o lugar onde se nasce continua a condicionar o percurso escolar possível e, com ele, o emprego acessível.

Em última instância, ser pobre em Portugal não implica só “ter pouco dinheiro”, mas muitas vezes “estar à parte” – sentir-se (e ser tratado como) um elemento externo, dificultando a saída desse círculo. Sabemos que a pobreza em Portugal é persistente, multidimensional, estruturalsistemática relacional.

População em risco de pobreza16,6% (≈1,76 milhões) [1]
População com rendimento <632 €/mês1 em cada 6 pessoas
Taxa de pobreza extrema10,4%
Taxa de vulnerabilidade económica29,2%
Risco de pobreza entre desempregados44,3%
Risco em famílias monoparentais31,0%
Risco em famílias com 3 ou mais filhos28,2%
Famílias em pobreza extrema1 em cada 10 famílias

Enquanto ciência que estuda o comportamento humano em contexto, a Psicologia tem dado contributos para compreender e combate a pobreza.

  • A Psicologia Clínica e Cognitiva mostram que viver em privação consome recursos cognitivos e emocionais, contribuindo para a tomadas de decisão curto-prazistas e adversas ao risco, que perpetuam as dificuldades económicas [2][3] e impactam na forma como as pessoas respondem a políticas públicas.
  • A Psicologia Social e a Psicologia Comunitária ajudam a explicar como o estigma [4], as crenças meritórias [5] e a experiência continuada de fracasso criam formas de desamparo aprendido [6], com efeitos reais na procura de ajuda ou na mobilização colectiva.
  • Na Psicologia da Educação, há evidências consistentes de que programas que integram competências socioemocionais e reforçam a capacidade de agência em situação de pobreza produzem melhorias duradouras na saúde mental e no percurso escolar [7].
  • Em contextos organizacionais, intervenções psicológicas centradas na iniciativa pessoal mostraram ser mais eficazes do que formações focadas em aumentar os rendimentos [8].

A Psicologia também permite observar alterações menos visíveis, como o modo como as pessoas percebem o controlo que têm sobre a vida ou o valor que sentem que lhes é atribuído. Por fim, a evidência internacional indica que intervenções combinadas, que integrem apoio económico com acompanhamento psicossocial, são as que produzem impactos mais sustentados na redução da pobreza e na melhoria do bem-estar ao longo do tempo [9][10].

1. Integrar o conhecimento da Psicologia no desenho e avaliação das políticas de combate à pobreza, promovendo decisões mais eficazes e ajustadas à realidade das pessoas.

2. Criar respostas psicossociais de proximidade, com psicólogos/as a actuar nas comunidades, centrados na prevenção da pobreza persistente e na promoção da autonomia.

3. Capacitar pessoas em situação de vulnerabilidade com competências profissionais baseadas na ciência psicológica, reforçando a sua empregabilidade e participação cívica.

Um milhão e setecentas mil pessoas. Algumas sempre foram pobres, outras tornaram-se com o tempo. Algumas têm ajuda da família, outras são o único sustento da família. Algumas vivem em casas sobrelotadas, outras em isolamento total. Algumas têm pobreza visível, outras escondem-na todos os dias.

Uma das lacunas continua a ser integrar a agenda do combate à pobreza com a agenda de promoção de saúde mental. Sem estigmatizar, mas reconhecendo que o impacto psicológico é parte do fardo da pobreza. Integrar a Psicologia e os Psicólogos na definição de políticas sociais pode ajudar a compreender por que a pobreza tende a persistir e a definir como se pode intervir.


Referências:
[1] Carvalho, B., Fanha, J., Fonseca, M., & Peralta, S. (2024). Portugal, balanço social 2024: Relatório anual. Nova School of Business and Economics. www.novasbe.unl.pt/Portugal_Balanco_Social_2024_Relatorio.pdf
[2] Haushofer, J., & Fehr, E. (2014). On the psychology of poverty. Science, 344(6186), 862–867. doi.org/10.1126/science.1232491
[3] Mani, A., Mullainathan, S., Shafir, E., & Zhao, J. (2013). Poverty impedes cognitive function. Science, 341(6149), 976–980. doi.org/10.1126/science.1238041
[4] Hoyt, C., Billingsley, J., Burnette, J., Becker, W., & Babij, A. (2023). The implications of mindsets of poverty for stigma against those in poverty. Journal of Applied Social Psychology, 53(5), 385–407. doi.org/10.1111/jasp.12947
[5] Tejero-Peregrina, L., Willis, G., Sánchez-Rodríguez, Á., & Rodríguez-Bailón, R. (2025). From perceived economic inequality to support for redistribution: The role of meritocracy perception. International Review of Social Psychology, 38(1), doi.org/10.5334/irsp.1013
[6] Maier, S., & Seligman, M. (1976). Learned helplessness: Theory and evidence. Journal of Experimental Psychology: General, 105(1), 3–46. doi.org/10.1037/0096-3445.105.1.3
[7] McCormick, M. P., Neuhaus, R., O’Connor, E. E., White, H. I., Horn, E. P., Harding, S., Cappella, E., & McClowry, S. (2020). Long-term effects of social-emotional learning on academic skills: Evidence from a randomized trial of INSIGHTS. Journal of Research on Educational Effectiveness, 13(4), 569–601. doi.org/10.1080/19345747.2020.1831117
[8] Campos, F., Frese, M., Goldstein, M., Iacovone, L., Johnson, H., McKenzie, D., & Mensmann, M. (2017). Teaching personal initiative beats traditional training in boosting small business in West Africa. Science, 357(6357), 1287–1290. doi.org/10.1126/science.aan5329
[9] Bossuroy, T., Goldstein, M., Karimou, B., Lohmann, T., Premand, P., & Sedlmayr, R. (2022). Tackling psychosocial and capital constraints to alleviate poverty. Nature, 605, 291–297. doi.org/10.1038/s41586-022-04647-8
[10] Thomson, R., Igelström, E., Purba, A., Shomonovich, M., Thomson, H., McCartney, G., Reeves, A., Leyland, A., & Katikireddi, S. (2022). How do income changes impact on mental health and wellbeing for working-age adults? A systematic review and meta-analysis. The Lancet Public Health, 7(6), e515–e528. doi.org/10.1016/S2468-2667(22)00058-5

Ler também: .final à pobreza