PsiCarreiras

logo-psicarreiras
Blog

Alta Fidelidade

Artigo por Edite Queiroz

“Encontra um trabalho de que gostes e nunca mais terás de trabalhar um dia na vida”. Já todos ouvimos a frase atribuída a Confúcio e arriscamos dizer que concordamos com ela. No máximo, poderemos assumir que é extremamente raro encontrar um/a psicólogo/a que não seja apaixonado/a pela ciência que escolheu, contudo, e infelizmente, é facto que muitos colegas acabam por abraçar áreas e contextos profissionais que não correspondem exactamente às suas características, valores, competências, aspirações e escolhas.

A nossa melhor versão implica um percurso para nos desvendarmos e desenvolvermos, um itinerário que não se faz apenas de formação e experiência profissional, mas também de curiosidade, de relação, de silêncio, de desenvolvimento pessoal e de experiência de vida.

Recordando que para ser Psicólogo/a, é preciso tornar-se pessoa, deixamos hoje mais uma dica de um filme inspirador, para quem sonha com um determinado contexto de trabalho, procura um novo começo, pretende experimentar uma realidade profissional diferente ou simplesmente reavaliar os seus objectivos de vida e de carreira. Trata-se de Alta Fidelidade (Stephen Frears, 2000), uma comédia dramática que nos traz John Cusack no papel de Rob Gordon, gerente de uma loja de discos, que apesar dos seus 30 e muitos anos, parece não ter saído da adolescência. Quando a vida atinge um impasse, Rob mergulha inadvertidamente num estado de reflexão e auto-descoberta, para o qual, sem que se apercebesse, possuía já algumas competências importantes. Rob não tem dúvidas sobre a sua grande paixão: a música. Rob faz listas. Listas de tudo, desde os seus cinco livros favoritos, às cinco canções que gostaria de ver tocadas no seu funeral, passando pelas suas cinco relações falhadas ou os seus cinco empregos de sonho. Este exercício continuamente coloca a sua vida em perspectiva, permitindo-lhe explorar o seu auto e hétero conceito, avaliar sucessos e fracassos, identificar a sua rede de suporte, reconhecer boas estratégias e tácticas menos produtivas, aproximando-o um pouco mais de si mesmo. Quebrando a quarta parede, Rob conversa com quem vê o filme e transforma-nos em seus confidentes numa jornada de auto-conhecimento que levará à importante conclusão de que a alta-fidelidade, atributo dos aparelhos que minimiza ruídos e distorções permitindo a reprodução do som com a maior fidelidade possível, é também uma ferramenta pessoal fundamental para encontrar o rumo certo.

Os desafios que o mercado de trabalho impõe à profissão, aliados a uma visão subsidiária da Psicologia e a um certo desconhecimento que persiste sobre os vastíssimos contributos da ciência psicológica, acabam muitas vezes por ditar ou moldar os percursos de carreira dos/as Psicólogos/as, dificultando que possamos trabalhar e intervir em áreas e contextos de eleição. Sabemos disto. Mas não devemos perder de vista que, com todas as nossas particularidades, os/as Psicólogos/as são a sua ferramenta de trabalho – e por isso, abdicar de um sonho também é renunciar à nossa melhor versão.

A nossa melhor versão é como a cassete com todas as canções certas gravada por Rob à namorada, uma compilação que deve dizer o melhor de nós e transportar o que de melhor temos para oferecer. A nossa melhor versão implica um percurso para nos desvendarmos e desenvolvermos, um itinerário que não se faz apenas de formação e experiência profissional, mas também de curiosidade, de relação, de silêncio, de desenvolvimento pessoal e de experiência de vida. A nossa melhor versão implica conhecer quem somos, para poder chegar ao lugar onde possamos dar o nosso melhor contributo – inevitavelmente, é também o lugar onde somos mais necessários. Chegar à nossa melhor versão, como à cassete ideal, implica tenacidade e teimosia, por maiores as dificuldades e reveses. Pode levar uma vida – mas tanto se ganha pelo caminho. Por isso, importa sempre continuar a batalhar por esse lugar ao sol onde que se chega com um pouquinho de sorte, algum planeamento, muita abertura ao mundo e alta-fidelidade a nós mesmos.