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Vale a pena investir em mais formação?

O que revelam as ofertas de emprego em Psicologia

Tenho na gaveta uma pilha de certificados. Quinze, vinte, talvez mais. Uns de formações onde aprendi qualquer coisa, outros onde apenas estive de corpo presente, que não é bem a mesma coisa, mas que para efeitos de currículo dizem que serve. O currículo, afinal, é o que interessa.

Esta manhã chegou-me um e-mail. “Última oportunidade para garantir o seu lugar!”. Um curso imperdível, com desconto se me inscrever até sexta-feira, mais um brinde se trouxer um amigo. Hesitei. E se este for importante? E se toda a gente fizer e eu ficar para trás, sozinho, a ver o comboio partir? A ansiedade tem esta vantagem comercial: vende-se muito bem.

No século XVI havia um italiano chamado Ulisse Aldrovandi que colecionou mais de 18 mil objetos. Fósseis, esqueletos, conchas, pedras, plantas… tudo o que coubesse nas suas prateleiras. Para os ver, apareciam visitantes de toda a Europa, impressionados com a quantidade. O problema é que Aldrovandi nunca teve tempo para estudar quase nada do que guardava. Estava demasiado ocupado a acumular mais. Não era o conhecimento que o movia, era a posse do conhecimento. Era ter para inglês ver.

Colecionar conhecimento não é o mesmo que conhecer, da mesma forma que acumular livros não é o mesmo que os ler. Mas reconforta. Enquanto estamos em formação somos eternos estudantes, imunes ao risco de falhar em público, de alguém descobrir que afinal não sabemos tanto quanto o currículo sugere. A sala de formação é segura: tem ar condicionado, cadeiras almofadadas, pausas para café a meio da manhã. O mundo real, de resto, nunca nos oferece essas comodidades todas.

Há dias, para confirmar as minhas suspeitas, fiz um exercício. Analisei todas as ofertas de emprego publicadas em 2023 e 2024 na bolsa da Ordem dos Psicólogos. 3111 ofertas. Queria perceber o que realmente pediam, se eram todos este cursos, certificações, especializações, pós-graduações, enfim, a acumulação toda. Apenas 26% exigiam formação pós-graduada como requisito obrigatório. Vinte e seis por cento. Entre quem sabe fazer e quem tem papéis, o mercado parece preferir quem sabe fazer.

A competência constrói-se devagar, com supervisão em contexto real, com discussão de casos que correram mal (sobretudo os que correram mal), com documentação de trabalho, o tipo de coisas que não dá para pôr no LinkedIn com três emojis de foguete. É lento, pouco fotogénico, mas costuma funcionar.

Não quer isto dizer, e convém dizê-lo, que toda a formação seja inútil. Se há mudança de área, se há lacuna concreta entre o que sabemos e o que precisamos de fazer, se há atualização necessária, então sim, a formação é ferramenta. O problema é quando deixa de ser ferramenta e passa a ser analgésico. Quando serve apenas para acalmar a ansiedade sem resolver o problema. Quando se transforma numa corrida sem linha de chegada onde o importante não é chegar mas continuar a correr para não parecer que estamos parados enquanto os outros avançam.

Os gregos tinham uma palavra para isto: pleonexia. O desejo insaciável de ter mais. Aplicava-se à ganância material, mas serve perfeitamente para esta acumulação contemporânea. Certificados guardados na gaveta à espera que um dia venham a servir para alguma coisa. Conhecimento embalado, por usar.

Aldrovandi morreu em 1605, rodeado de prateleiras cheias de coisas que nunca examinou. Deixou instruções sobre o que fazer à coleção. Os fosseis foram espalhados por vários museus europeus. Muitos perderam-se, outros foram reclassificados. O que sobreviveu não foi a coleção, foi o trabalho dos naturalistas que, em vez de acumular, pararam, estudaram, erraram, corrigiram.

Esta manhã chegou outro e-mail. “Garanta já o seu lugar! Não perca esta oportunidade!”. Olhei para a gaveta. Ainda havia espaço. Mas apaguei o e-mail. Não porque os certificados sejam todos inúteis – longe disso. Mas porque posso passar a vida inteira a colecionar e morrer sem ter aprendido nada. Aldrovandi que me perdoe.