
Durante muito tempo, falou-se da carreira em Psicologia como uma linha reta: uma escolha, uma especialização, um percurso. Mas quem já está no terreno sabe que essa ideia, embora reconfortante, pouco traduz a realidade atual. A verdade é que muitos psicólogos (e futuros psicólogos) constroem percursos feitos de curvas, cruzamentos e até desvios inesperados. É precisamente aí que pode estar a riqueza da profissão.
Na prática, conhecemos psicólogos que, além da intervenção psicológica, dão formação, coordenam equipas, desenham projetos educativos, trabalham com tecnologias, fazem investigação ou desenvolvem programas em municípios e empresas. Outros combinam a prática da psicologia com docência, ou criam os seus próprios negócios, respondendo a necessidades sociais com criatividade e visão. Em vez de escolherem “um só caminho”, vão construindo carreiras híbridas, plurais e adaptadas aos seus contextos e interesses.
Falo por experiência própria. Ao longo dos anos, fui acumulando papéis: psicólogo, formador, docente, gestor de projetos e de equipas, consultor, criador de conteúdos educativos, curador de experiências de aprendizagem… E em nenhum momento senti que estava a “desviar-me” da Psicologia, antes pelo contrário. Estava a expandir a forma como a Psicologia pode contribuir para o desenvolvimento das pessoas, organizações e comunidades.
Este modelo de carreira híbrida não é só possível como é cada vez mais necessário. As exigências do mercado, as transformações tecnológicas e a complexidade dos desafios sociais pedem profissionais capazes de articular saberes e agir em contextos diversos. Já não basta ser excelente numa só função: é preciso saber comunicar com públicos diferentes, adaptar linguagens, criar pontes entre o conhecimento científico e a prática no terreno.
Claro que esta pluralidade também levanta questões. Como gerir a identidade profissional quando os papéis se multiplicam? Como apresentar um percurso que não cabe numa linha cronológica simples? Como evitar a sensação de dispersão?
A resposta, acredito, passa por duas ideias-chave: coerência e intenção. A coerência vem de uma bússola interna: aquilo que nos move enquanto psicólogos. Mesmo quando vestimos diferentes “chapéus”, se as nossas escolhas forem guiadas pelos mesmos valores e propósito, o percurso faz sentido. A intenção traduz-se em decisões conscientes: escolher projetos, formações ou experiências que, mesmo sendo diversas, se ligam entre si e nos aproximam do impacto que queremos gerar.
Vale também investir na capacidade de contar a nossa história profissional de forma clara e integrada, seja no CV, no LinkedIn ou numa conversa informal. Mostrar como as várias dimensões da nossa atividade se complementam e enriquecem mutuamente é, hoje, uma competência essencial.
Em vez de perguntarmos “qual é o papel certo para mim?”, talvez devêssemos começar a perguntar:
“Que combinação de papéis e contextos me permite contribuir mais, aprender mais e crescer mais como psicólogo?”
Porque, no fundo, não se trata de sermos “demasiadas coisas”, trata-se de sermos mais inteiros e realizados.
