
Observa-se frequentemente, nos dias de hoje, um fenómeno de grande polarização de ideias face a questões altamente complexas. Como se a realidade de questões profundas como a pobreza ou a guerra se pudessem equiparar a questões triviais como “qual a tua cor preferida”, ou outras simplificadas nos “testes” das revistas leves da adolescência “preferes campo ou praia? Dia ou noite? Café ou chá?”.
As redes sociais trouxeram facilidade na discussão pública de todos os assuntos. Todos se sentem impelidos a partilhar a sua opinião sobre todos os temas. De forma rápida, leve, descomprometida e, pior, sem informação ou argumentos que a sustentem. Além disso, as redes sociais amplificam vozes extremas e reforçam bolhas informativas, incentivando interações emocionais e promovendo narrativas simplistas de “nós contra eles”. A forma como os algoritmos funcionam faz com que se tornem mais salientes os conteúdos controversos e que geram ânimos exaltados, criando o ambiente perfeito para que teorias da conspiração e ideias polarizadas prosperem.
É para se aproveitar do funcionamento psicológico que os algoritmos das redes sociais são programados (e os “influenciadores” aprendem a jogar com tais algoritmos para potenciar o alcance dos seus conteúdo). Por exemplo, amplificar a difusão de informações “PRIME” [acrónimo criado por William Brady e colegas em 2023 para PRestigious, Ingroup, Moral e Emotional] isto é, informações com prestígio, que reforcem o sentido de intra-grupo, que contenham uma mensagem moral e emocional, é fazer com que as pessoas percepcionem-nas como sendo mais polarizadas. Se são mais polarizadas, pode ser que gerem mais interacção… Mas isso não pode valer tudo.
Promover a literacia e o pensamento crítico são a chave para este problema, sendo que os psicólogos são por excelência os profissionais para intervir no âmbito da literacia digital, em que procura educar para não só se utilizar de forma consciente das redes sociais, mas criando também uma cultura de verificação de factos e análise crítica. A literacia emocional também é importante, uma vez que a forma como nos tornamos conscientes das nossas emoções pode facilitar a gestão do modo como reagimos às informações online, e assim interagir de forma mais intencional e racional com conteúdos polarizadores.
São diversos os contextos onde os psicólogos podem contribuir para uma menor polarização: seja por exemplo em contextos educativos, seja com a infância mas também com populações jovens e adultas; nas próprias redes sociais, contribuindo para discussões mais equilibradas, informadas e em que o diálogo construtivo seja o caminho para o debate sério sobre assuntos sérios; e sob a forma de consultoria, por exemplo junto das próprias plataformas digitais, em que se contribui para a criação de ambientes digitais mais saudáveis e para o desenho de intervenções que promovam interacções positivas através da diminuição dos vieses causados pelos algoritmos.
Além de cada um de nós, utilizador dos meios digitais, ganhar em criar esta consciência da necessidade de pensamento crítico, podemos, enquanto psicólogos, procurar contribuir para que nos contextos em que intervimos haja uma maior cultura de literacia e diálogo enquanto antídotos à polarização.
No fundo, ao termos uma postura activa e responsável na utilização da nossa voz nas nossas redes (profissionais, pessoais e digitais) poderemos contribuir para um ambiente informativo mais saudável e equilibrado.
PS – Debater assuntos sérios sem nos chatearmos não se faz com magia nem pozinhos de perlimpimpim e, por isso, para complementar a reflexão que propus, deixo como sugestão de leitura o livro do colega Nuno Costa: “Já Não Sei que te Diga! O Papel do Diálogo Construtivo no Nosso Dia-a-Dia”. Não há nada como a leveza do sentido do humor combinada com a seriedade da ciência psicológica para abordar estes temas.