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Encontrar-se com as pessoas onde elas estão: Intervenção psicológica à distância

Se há uma modalidade de intervenção em relação à qual a atitude dos psicólogos (e dos clientes) mudou drasticamente durante os últimos anos, é a intervenção à distância. Antes da pandemia, esta modalidade era uma exceção cuidadosamente ponderada, e reservada para clientes em circunstâncias muito particulares. Durante a pandemia, e particularmente durante os períodos de confinamento, a exceção tornou-se regra, e as consultas presenciais ficaram reservadas para os clientes com os quais o acompanhamento à distância seria impossível, ineficaz ou arriscado. E agora?

Passado este período, a maior parte de nós passou a adotar um modelo híbrido. Refletindo estas mudanças, o próprio Código Deontológico, que na sua versão anterior já contemplava a possibilidade de intervenção à distância, passou, após a revisão feita em 2024, a abordar esta possibilidade em maior detalhe. No mesmo contexto, surgiu o documento de 2023 “Intervenção Psicológica à Distância – Recomendações para a Prática Profissional”.

A intervenção à distância dá um significado muito literal à expressão “encontrar-se com as pessoas onde elas estão”. De lá para cá, a maior parte de nós já se “encontrou” com as pessoas nas suas casas, em espaços vazios dos seus locais de trabalho, nos seus carros e em todo um conjunto de sítios inusitados. E se, por um lado, esta modalidade apresenta um conjunto de vantagens, também é verdade que implica um conjunto de desafios que justificam cuidados acrescidos.

Entre as vantagens da intervenção à distância, contam-se desde logo:

  • Acessibilidade: os clientes podem aceder à intervenção independentemente da sua localização geográfica (ex. pessoas em áreas remotas ou com limitações de mobilidade), e em horários mais flexíveis.
  • Conveniência: os clientes não precisam de se deslocar, poupando tempo e dinheiro em viagens (ex. pessoas com limitações de horário ou de transportes), e podem realizar as consultas a partir de espaços que lhes são familiares e confortáveis.
  • Privacidade: os clientes não precisam de aceder a um espaço físico, minimizando o risco de outros tomarem conhecimento das consultas contra a sua vontade (ex. pessoas de meios pequenos)

Entre os desafios, por outro lado, há que considerar:

  • Condições adicionais: a intervenção à distância obriga a assegurar um conjunto de condições que, numa intervenção presencial, se encontram automaticamente asseguradas. Nomeadamente, a escolha por parte do cliente de um espaço físico com privacidade e de um período livre de interrupções. Obriga também a assegurar condições que, numa intervenção presencial, não são tão pertinentes. Por exemplo, a escolha, por parte do psicólogo, de uma plataforma segura, e a existência, por parte de psicólogo e cliente, de uma boa conexão de internet e de algumas competências de literacia digital, nomeadamente ao nível da cibersegurança.
  • Desafios adicionais: o estabelecimento da relação entre psicólogo e cliente pode ser mais difícil na ausência de uma interação presencial, sobretudo para novos clientes. Também, a dificuldade na leitura da comunicação não verbal do cliente pode constituir uma dificuldade acrescida. Finalmente, dependendo do modelo e das técnicas de intervenção utilizadas, podem ser necessárias algumas adaptações criativas por parte do psicólogo.
  • Situações de crise: pode ser mais difícil providenciar intervenção imediata numa situação de crise. Esta preocupação é particularmente pertinente com clientes em situações de alto risco (ex. de suicídio)

Assim sendo, a escolha entre a intervenção presencial ou à distância depende muito das necessidades e caraterísticas do cliente, e dos objetivos da intervenção psicológica. A implementação da intervenção à distância implica particular cuidado ao nível de:

  • Obtenção de consentimento informado: que deve contemplar também a ponderação das especificidades e potenciais limitações da intervenção à distância.
  • Confidencialidade e privacidade: que deve incluir a utilização de plataformas seguras para a realização das consultas, e a proteção dos dados digitais resultantes destas.
  • Dispor de uma identificação clara de ambas as partes e de um endereço físico para o qual se possa remeter o acompanhamento quando necessário. Ponderar, ainda, a possibilidade de a primeira consulta ser realizada presencialmente.
  • Avaliar o nível de risco: ponderando até que ponto, com aquele cliente, uma intervenção à distância é eficaz e/ou segura. Também, desenvolver um protocolo a aplicar em situações de crise, incluindo contactos e recursos de emergência locais para cada cliente.

A escolha de uma ou outra modalidade de intervenção cabe ao psicólogo, no âmbito da sua autonomia profissional, considerando o melhor interesse do seu cliente. Escolhendo a intervenção à distância, cabe-lhe abordar esta modalidade com uma perspetiva de equidade, fazendo os ajustes necessários ao cumprimento dos pressupostos científicos, técnicos e éticos de qualquer intervenção psicológica.

Quando um psicólogo se identifica enquanto tal, ele acaba por – seja ou não essa a sua intenção – representar também a sua classe profissional. Significa isto que as suas declarações e comportamentos se refletem não apenas em si mas também nessa classe profissional, com o potencial impacto – positivo ou negativo – que isto tem para todos nós.