
Dizer que a incerteza faz parte da vida é um lugar-comum. Para todos os que temos andado por cá nos últimos tempos, mais do que um lugar-comum, é uma constatação do óbvio. Para nós psicólogos, esta incerteza tem vindo a ser, cada vez mais, um tema recorrente nas preocupações das pessoas que acompanhamos, e um tema ao qual o próprio psicólogo, frequentemente, também não é indiferente.
Portanto, é sempre oportuno recordar que se há ciência que tem muito a dizer sobre a (por vezes difícil) navegação da incerteza, essa ciência é a psicologia. E que nós psicólogos estamos particularmente bem equipados, e bem posicionados para equipar os outros, com propostas úteis para orientar essa navegação. Aqui o foco nunca será a eliminação da incerteza, mas a capacitação das pessoas para a gestão das suas consequências emocionais e comportamentais.
Como? Vejamos alguns contributos das terapias cognitivas de terceira e de segunda geração…
- Praticar a aceitação. Não significa passar a desejar ou a gostar da incerteza, ou sequer conformar-se com ela. A proposta é abrir espaço para a nossa experiência da incerteza, sem tentar fugir, mudar ou controlar essa experiência. As tentativas de eliminar a incerteza, além de serem inúteis, frequentemente ampliam o sofrimento. Nesse sentido, podemos dizer que a incerteza é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
- Focar no aqui-e-agora. Não significa adotar uma postura auto-centrada ou alienada do mundo à nossa volta. A proposta é observar a nossa experiência da incerteza, conforme ela se desenrola, com um olhar curioso, compassivo e não julgador. Face a uma situação de incerteza, os nossos pensamentos tendem a fugir para o futuro. Mas essa preocupação com o futuro, além de criar ansiedade, não faz grande coisa pelo nosso presente.
- Questionar as certezas. Sejam elas quais forem. Pode ser algo como “eu sei que determinado cenário futuro hipotético catastrófico vai acontecer”. Ou “eu preciso de saber o que vai acontecer para me sentir seguro, ou para conseguir avançar”. A proposta é procurar criar alguma distância e flexibilidade relativamente a essas certezas. Nomeadamente, questionando-as quanto à sua adesão à realidade, bem como quanto às suas consequências emocionais e comportamentais, e reformulando-as, se for necessário, de uma forma mais realista e adaptativa.
- Agir de forma comprometida com valores. Um valor é uma direção que cada um de nós estabelece como importante ou significativa. Define quem queremos ser e aquilo que queremos representar no mundo. Uma ação comprometida com um valor é um passo no caminho da direção definida por esse valor. É o que nos permite avançar na construção de uma vida preenchida e realizada. Num contexto de incerteza relativamente ao futuro, sabermos para onde queremos ir e que estamos a avançar nessa direção é, muitas vezes, o que nos permite dar sentido ao presente. Além das nossas direções individuais (pessoais, relacionais, profissionais), face a incertezas sociais, este sentido pode também ser procurado e encontrado através de ativismos que sejam congruentes com os valores de cada um de nós (e que nos permitem também encontrar comunidade e apoio social para fazer esses caminhos)
Aqui chegados, uma analogia útil é a de conduzir através do nevoeiro (The Big Book of ACT Metaphors, Stoddard, J. & Afari, N, 2014). Não há muito que possamos fazer para o dissipar. Esperar por melhores condições de visibilidade é correr o risco de nos mantermos paralisados durante um tempo indefinido. Então, talvez possamos, com um esforço de concentração acrescido e os cuidados adicionais adequados, pormo-nos a caminho. Talvez devagar, talvez contrariados e apreensivos, talvez com os olhos em esforço e o pescoço em tensão… mas considerando que a probabilidade de a estrada se abrir num precipício à frente do carro é baixa, e que ficar ali parado também não é grande ideia. E dessa forma, mesmo através do nevoeiro, vamos avançando na direção dos nossos destinos.