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Colocar primeiro a sua própria máscara: Autocuidado para Psicólogos

Dos psicólogos, muito se espera em termos de resiliência ou até de invulnerabilidade face ao seu próprio sofrimento psicológico. Acredita-se que estamos inoculados contra problemas de saúde psicológica ou que, quando os temos, somos capazes de intervir profissionalmente em nós próprios de forma a resolvê-los. Dada esta expetativa, quando experienciamos estes problemas, podemos recear o estigma, que para nós é acrescido, sentir culpa e vergonha, e tender a adiar ou evitar procurar ajuda.

Ora, há que ter em conta que, os psicólogos, por o serem, estão expostos a um conjunto particular de fatores de risco ao nível da saúde psicológica. Nomeadamente, os seguintes:

  • Fatores relacionados com o formato do exercício profissional: níveis elevados de exigência cognitiva (atenção, tomada de decisão…); níveis elevados de exigência emocional (empatia, auto-regulação…); isolamento físico (na prática privada, em equipas sem outros psicólogos); isolamento psicológico (com a família e amigos devido à confidencialidade, com os colegas devido ao receio de parecer menos competente…); sedentarismo…
  • Fatores relacionados com o conteúdo do exercício profissional:níveis elevados de responsabilidade (e o stress que os acompanha); exposição a elevados níveis de sofrimento psicológico e às experiências traumáticas do outro (com risco de traumatização secundária e fadiga de compaixão…)
  • Fatores relacionados com o presente e o passado do psicólogo: intersecção da prática profissional com os eventos presentes da vida do psicólogo (casamentos, divórcios, nascimentos, mortes, doenças); intersecção da prática profissional com as experiências do passado do psicólogo (nomeadamente, as suas próprias experiências traumáticas, que estudos sugerem ter uma prevalência neste grupo superior à da população geral)
  • Fatores sociais, económicos e políticos, como a ainda insuficiente compreensão e valorização da saúde mental e das profissões com ela relacionadas, passível de se traduzir em dificuldades ao nível da empregabilidade e da segurança laboral do psicólogo e, portanto, da sua estabilidade financeira.

Há que ter em conta também que, por sermos psicólogos, os nossos problemas de saúde psicológica são suscetíveis de se traduzir num conjunto particular de consequências. Nomeadamente, as seguintes:

  • Consequências para o psicólogo: stress; burnout (exaustão emocional, despersonalização, diminuição do sentimento de realização profissional); traumatização secundária; fadiga de compaixão; sintomatologia ansiosa e depressiva; comportamentos de coping não adaptativos…
  • Consequências para o cliente: diminuição do envolvimento com a prática profissional; comportamentos profissionais inadequados que podem traduzir a violação de normas deontológicas (por exemplo, relativamente aos limites da relação profissional); perda de confiança no psicólogo; diminuição dos impactos positivos e aumento de impactos negativos da intervenção
  • Consequências para a profissão: perda de confiança na profissão por parte dos nossos clientes, dos profissionais e entidades com os quais articulamos, e da sociedade em geral.

Sobretudo, ainda que não houvesse outros motivos para acautelar estas questões (e há!), existe um que é evidente: o nosso instrumento de trabalho é a relação que estabelecemos com os nossos clientes, e a pessoa do psicólogo é uma parte fundamental dessa relação. Não há como assegurar uma intervenção eficaz sem um instrumento afinado, e afinar esse instrumento passa sempre pelo autocuidado.

Naturalmente, no autocuidado (como em quase tudo na vida) não existem soluções one size fits all. Esta reflexão, que terá de ser sempre individual e adaptada às circunstâncias e necessidades de cada um, pode ser feita considerando os seguintes eixos:

  • Atender ao bem-estar profissional, por exemplo através de supervisão, intervisão e outras formas de desenvolvimento profissional contínuo
  • Atender ao bem-estar psicológico, por exemplo, através de terapia pessoal e de outras formas de desenvolvimento pessoal
  • Cultivar um estilo de vida adequado a nós, cuidando do sono, alimentação, atividade física, descanso e lazer, cultivando relações significativas, mas também momentos a sós, estabelecendo limites entre a vida profissional e pessoal, construindo um sentido de propósito.

Para expandir e aprofundar o tema, e esta reflexão tão necessária, recomendamos a leitura do Manual de Autocuidado para Psicólogos e Psicólogas.

Concluímos utilizando uma analogia que utilizamos frequentemente com os nossos clientes: nos aviões, em situação de despressurização da cabine, os adultos são instruídos a colocar a sua própria máscara antes de o fazerem a crianças ou outras pessoas vulneráveis que os acompanhem. Isto porque, se esse adulto perder a consciência no processo de proteger o outro, nenhum deles fica protegido. Vale a pena refletir sobre a medida em que esta instrução se aplica também ao próprio psicólogo.