
Desde cedo, aprendemos a medir o nosso valor com base no que observamos à volta. Começa de forma instintiva: uma criança que repara nas roupas ou nos brinquedos de outras crianças e que estrutura o seu valor a partir dessas referências. Ao medir-nos contra os outros – nas notas escolares, nos padrões de beleza ou nas carreiras –, percebemos o nosso lugar no mundo, para avaliar o que temos e, inevitavelmente, para desejar o que não temos.
Com as redes sociais, este hábito tornou-se mais problemático. Ao vermos vidas cuidadosamente editadas no Instagram, no TikTok ou no LinkedIn, a comparação passou a ser uma experiência constante. Criamos associações automáticas que vinculam felicidade, sucesso e valor pessoal a elementos que raramente correspondem à realidade. E, talvez sem pensar, talvez sem querer, comparamo-nos. “Porque é que a minha vida/relação/carreira não é assim?”.
Comparar os bastidores da nossa própria realidade, com todos os seus altos e baixos, a estas representações construídas online é injusto, mas irresistível. Esta mudança gera um ciclo de insatisfação que raramente traz respostas conclusivas, apenas reforça a sensação de que há sempre alguém a fazer mais, a alcançar mais ou a viver melhor. Onde antes a comparação funcionava como um indicador de crescimento, agora frequentemente actua como catalisador de insatisfação.
Há algo que frequentemente ignoramos: o contexto por trás do sucesso alheio. Quando olhamos para as conquistas de outros, vemos apenas o que está à superfície. Vemos o que é mostrado, mas não o que está por trás. Raramente consideramos os custos associados – sacrifícios, escolhas difíceis e compromissos. Por exemplo, uma carreira que admiramos pode ocultar noites de trabalho exaustivo, tempo sacrificado em família ou níveis elevados de stress para manter aquele padrão. Assim, a comparação, quando descontextualizada, não nos ajuda a compreender as escolhas dos outros e falha na sua função principal de ajudar-nos a crescer.
Além disso, a cultura acentua os efeitos negativos da comparação, reforçando a ideia de que o sucesso é uma corrida. Uma narrativa que transforma os outros em adversários, levando-nos a interpretar cada conquista alheia como uma ameaça ao nosso progresso. Esta ideia prende-nos numa mentalidade de rivalidade, impedindo-nos de apreciar o que já temos. Ao explorar a comparação social, a psicóloga Susan T. Fiske descreveu este fenómeno como “inveja ascendente” (envy up) e “desdém descendente” (scorn down). Ambos corrosivos, ambos presentes quando olhamos para os outros como adversários em vez de fontes de aprendizagem.
Mas e se mudarmos a forma como usamos a comparação? O primeiro passo é reavaliar as nossas referências. Nem todas as comparações são úteis, e limitar o nosso foco a exemplos específicos ajuda a aumentar a relevância das lições que podemos retirar. Em vez de utilizar pessoas que não conhecemos como medidas absolutas de sucesso, focar em pessoas ou histórias que estejam alinhadas com os nossos valores e objectivos. Perguntar “O que posso aprender com isto?” substitui a abordagem destrutiva de “Porque não sou assim?”, reestruturando a forma como processamos as diferenças.
E se, em vez de olhar apenas para fora, olhássemos para dentro? Outra forma de repensar a comparação é aquela que fazemos com o nosso “eu” de ontem. Pensar em quem éramos, onde estávamos, o que conquistámos. Em vez de focarmos no que ainda falta, podemos concentrar-nos no caminho já percorrido. Este tipo de comparação, honesta e pessoal, oferece-nos algo valioso: perspectiva. Muitas vezes, esquecemos de fazer esta auto-análise. E, ao esquecermos, desvalorizamos o progresso que já fizemos. Registar estas mudanças através de diários ou outras formas de acompanhamento pessoal ajuda a criar uma narrativa mais coerente sobre o nosso percurso, reforçando a crença no valor do esforço contínuo e que o progresso é feito de pequenos passos.
Por fim, não podemos esquecer a importância de celebrar o nosso progresso. Pequenas ou grandes, as conquistas merecem reconhecimento. E, ao fazê-lo, tornamo-nos mais capazes de valorizar o que já alcançámos, sem nos perdermos na procura constante pelo que falta. A comparação, no final, é uma ferramenta. Com intenção, ela constrói. Sem reflexão, ela destrói. Se a comparação é inevitável, que ao menos a façamos de forma mais saudável. Porque o destino não é chegar onde os outros estão. É descobrir onde queremos estar.
Leitura Adicional
Fiske S. T. (2010). Envy up, scorn down: how comparison divides us. The American psychologist, 65(8), 698–706. https://doi.org/10.1037/0003-066X.65.8.698