Artigo e fotografia por Ana Leonor Baptista
Vou propor-lhe já um desfio. Procure uma fotografia sua, quando tinha cerca de 3, 4, 5 anos de idade (tanto faz). Olhe para si – recorda-se daquele momento?
A maioria de nós olha para a infância quase como um filme extraordinário, ingénuo, brincalhão, cândido e colorido, do qual temos algumas fotografias empoeiradas ou até alguns vídeos armazenados na garagem de familiares… mas que dificilmente vemos na primeira pessoa. Será difícil, perto do impossível, não olhar e ver com distanciamento fotografias nossas de quando tínhamos 3 anos de idade ou de quando éramos recém-nascidos (aliás, a primeira infância é para todos nós pura amnésia). Lembramo-nos de como pensávamos sobre as coisas quando tínhamos 4 anos? Lembramo-nos do que sentíamos em relação aos nossos pais/cuidadores, familiares ou amigos? Como interagíamos com eles? Como expressávamos afecto ou manifestávamos as nossas vontades?
Eu tenho algumas ideias, mas sei muito pouco. À medida que crescemos, aprendemos a linguagem e os conceitos, organizamos a nossa realidade e começamos a aprender a gerir a informação de que já dispomos sobre o mundo e a significá-lo. O social e o biológico ligam-se, o nosso cérebro desenvolve-se, amadurecemos, tornamo-nos pessoas. E neste caminho de nos tornarmos pessoas, começa a ser cada vez mais clara a noção de que existe intencionalidade por detrás das nossas acções, comportamentos ou escolhas, de que cada indivíduo é um ser único, um mundo de interligações entre si, os outros e o contexto, um poço fundo de interesses, quereres, experiências, aspirações e inspirações. A dicotomia razão-emoção vai-nos acompanhando e, a cada decisão tomada, pesamos e consideramos argumentos dos “dois lados”, activando o nosso córtex pré-frontal (que nos é tão especial, como bem sabemos). Pirateamos a nossa mente quando queremos inibir um em função do outro, e brincamos com as nossas faculdades mentais à medida que traçamos os nossos percursos.
Olhe para a sua carreira…
“São as nossas escolhas, muito mais do que as nossas capacidades, que mostram o que realmente somos.”
E se lhe pedir para realizar um exercício semelhante ao primeiro, mas desta vez olhando a sua carreira (ou o seu percurso académico, caso seja estudante ou psicólogo júnior)? Quando olha para o psicólogo (ou estudante) que era, reconhece-se?
Desta vez, tenho a certeza (e espero) que sim.
Nós somos o que decidimos. Já Dumbledore dizia a Harry Potter “são as nossas escolhas, muito mais do que as nossas capacidades, que mostram o que realmente somos”. E se isto é verdade para a construção da nossa identidade, também se verifica na construção dos nossos percursos de carreira. Atravessamos diversos momentos-chave na nossa carreira, com graus de importância que vão variando de acordo com a distância com que os olhamos: a tomada de decisão sobre a escolha de faculdade, sobre a área de sub-especialização no mestrado, a entrada no mercado de trabalho e a procura de entidades que acolham o ano profissional júnior, a procura de emprego, as mudanças de área, a criação de projectos, o envolvimento em investigações, o responder “sim” a um convite de colaboração… todos estes momentos podem ser marcos que vão determinando o nosso percurso profissional. À partida, não agiremos por impulso em nenhum dos momentos supramencionados – cada um deles requer uma tomada de decisão, uma análise da informação disponível, uma “filtragem” da mesma de acordo com os nossos interesses, objectivos, competências, valores. Pesamos um leque de opções, pensamos nas vantagens e desvantagens de cada possível escolha, usamos o nosso racional mas também o emocional – e por vezes fazemos tudo isto de forma “automática”, sem sequer nos consciencializarmos da complexidade de cada tomada de decisão.
Será relativamente fácil olhar para trás, para o começo da idade adulta, e reconhecermo-nos, recordarmo-nos mais ou menos do nosso pensar e sentir quando tínhamos 18 anos, nos nossos objectivos e das expectativas que tínhamos em relação ao futuro. Mas nem sempre as decisões que tomamos a partir daí reflectem exactamente a pessoa em que nos tornámos (ou a pessoa que, na altura, queríamos ser). Muitas são as partilhas de colegas que, nas mais variadas fases do seu percurso de carreira, referem que gostariam de voltar atrás e ter escolhido outra área, ter investido noutro tipo de formação, largar o seu emprego ou experimentar iniciar o seu projecto pessoal, mas decidiram “automaticamente” não o fazer e ir pelo caminho que, na altura ou agora, lhes pareceu mais óbvio ou menos arriscado.
Parece-me a mim que a eventual chave para melhorarmos os nossos processos de tomada de decisão e construirmos um percurso de carreira mais consonante connosco (com mais sentido e mais alinhamento) é, precisamente, a tomada de consciência sobre a complexidade deste processo cognitivo que fazemos. Perceber que temos de tomar decisões, percebermo-nos a nós próprios, percebermos que nenhuma tomada de decisão, singular, será determinante de uma vida/carreira inteira (mas tal não quer dizer que não devamos investir algum tempo a pensá-la), perceber quais as opções que temos, perceber que podemos pedir uma perspectiva externa a alguém da nossa confiança, perceber qual o nosso plano e o que virá daquela tomada de decisão, percebermos se aquela opção reflecte quem somos e quem queremos ser… tudo isto ajudar-nos-á a construir uma carreira mais significativa, que nos faça olhar para trás com felicidade e tranquilidade pelas decisões que tomámos.
O meu objectivo com este texto é fazê-lo reflectir sobre as suas tomadas de decisão – por quem é que está a tomar as suas decisões? Por que motivo? Como é que determinada escolha o irá impactar? Esta escolha reflecte os seus valores? Vai ajudá-lo a sair do sítio onde está e a aproximar-me do sítio para onde quer ir? A carreira não se constrói ao acaso, será um percurso intencional e pessoal para cada indivíduo… e por isto mesmo, e para que não venhamos a olhar para trás nas nossas carreiras sem nos reconhecermos, procuremos dedicar o tempo e o aprofundamento necessários às tomadas de decisão.