Será que vivemos num mundo excessivamente produtivo? E se esta necessidade – que sentimos como tão nossa – de ser constantemente produtivos e fazer dos sucessos profissionais a maior fonte de realização pessoal for, em última instância, um sintoma de como a Sociedade está organizada?
“A sociedade do século XXI não é uma sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Os seus habitantes não são “sujeitos da obediência”, mas “sujeitos de desempenho e produção”. São empreendedores de si mesmos.”
Byung-Chul Han (A Sociedade do Cansaço, p.14)
Na “Sociedade do Cansaço”, sentimo-nos os principais responsáveis por todos os nossos sucessos e fracassos. Quando olhamos à nossa volta, sobretudo nas Redes Sociais, incluindo o LinkedIn, a maioria das pessoas parece comprometida como o lema “Nada é impossível, basta esforçares-te”, sendo que, cada trabalhador/a, se apresenta como um produto apetecível do desempenho e do sucesso, “Olha só o que eu consegui”.
A vida profissional é dinâmica e ocorre em espectros que oscilam entre determinação e incerteza, progresso e erro, elogio e crítica, desenvolvimento e espera, produtividade e ócio, silêncio e celebração do sucesso. Mas, em certos momentos, devido a uma visão do trabalho excessivamente focada nos pólos activos dos espectros, podemos sentir medo de ficar para trás, culpa por não nos esforçarmos mais ou, ainda, cansaço (físico e psicológico) por tentarmos corresponder a um ideal de hiper-produtividade que, actualmente, orienta os/as trabalhadores/as responsáveis.
No entanto, este ideal, partilhado implicitamente, não considera as circunstâncias de vida e as forças socioeconómicas que nos condicionam: a doença, as responsabilidades familiares, as redes de contactos e, entre outras, a inflação e o custo de vida. Às tantas, falhar – isto é, não ser “bem-sucedido”, não ter emprego ou renumeração justa considerando o que se estudou; ser adulto e viver com os pais; não conseguir um equilíbrio entre pagar contas e partilhar momentos com a família, ou entre descansar e subir na carreira – é sentido como um fracasso pessoal.
E, quando nos sentimos falhar, o impulso empurra-nos para a compensação. Precisamos de mais: de estudar mais, de trabalhar mais horas, de nos esforçar mais, de fazer mais formações, de participar em mais webinars… de ser mais produtivos. Sentimos, assim, que a nossa liberdade – isto é, o “tempo livre” após o horário de trabalho e/ou durante o fim-de-semana – deve ser utilizada em prol da produtividade e do desenvolvimento profissional.
Outras vezes, sucumbimos ao cansaço: e quem não sente a vontade de, no final da jornada de trabalho e após tarefas e responsabilidades, apenas consumir o entretenimento das plataformas de streaming? Descansamos apenas para voltar à carga. Até o descanso, segundo Byung-Chul Han, faz parte do trabalho, não sendo uma forma de estar no mundo em si mesmo.
Quando nos sentimos os responsáveis últimos da nossa situação, torna-se difícil reconhecer limites pessoais e advogar por direitos e condições de trabalho diferentes. A exploração da liberdade (“Sou livre, logo tenho de fazer tudo o que consigo, nada me é impossível”), como uma forma de responsabilização individual e de controlo social, é um conceito transversal ao pensamento e obra de Byung-Chul Han.
Se realmente vivemos na “Sociedade do Cansaço”? Talvez. E, provavelmente, umas pessoas mais do que outras.
Importa, enquanto trabalhadores/as, reconhecer os ideais que orientam a nossa carreira e as organizações onde trabalhamos. E, em consequência, importa advogar por melhores condições de trabalho – isto é, melhores salários, maior flexibilidade horária, oportunidades para cuidar da Saúde, Física e Psicológica, e para participar nas decisões que condicionam o direito ao descanso – que, conseguidas, contribuem para um maior equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal; aproximando-nos da família, da comunidade, de interesses pessoais e, ainda, da possibilidade de repensar o papel do ócio numa sociedade disruptiva, mais contemplativa.