Artigo por Ana Leonor Baptista
Procurar o desconforto pode ser um lema de vida e de carreira simultaneamente assustador e aliciante.
Quando eu era criança, era muito tímida (excessivamente). Esta timidez chegava a comprometer as minhas avaliações escolares, onde obtinha notas baixíssimas nos parâmetros ligados à participação nas aulas. Imagino que, por este motivo, os meus pais tenham decidido inscrever-me, a certa altura, em aulas de dança e em colónias de férias – como forma de me desafiarem a sair da minha zona de conforto. Tinha aulas todas as semanas e colónias de férias todos os verões e assumo que não havia uma aula ou uma colónia que não despertasse em mim um “friozinho na barriga” desagradável, que me fazia lembrar do receio e da ansiedade que sentia face a situações em que não estava plenamente confortável – medo de não conseguir acompanhar o nível dos outros, medo de fazer figuras embaraçosas, medo.
“Eu gosto da ideia de podermos usar os desafios, as montanhas difíceis de subir, como combustível para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. E acho que há conforto nesta afirmação.”
Independentemente da timidez ou de outras características pessoais que possamos ter e que possam, por vezes, ser barreiras àquilo que queremos atingir na vida, todos seremos capazes de identificar certas “coisas” que nos empurram para lá dos nossos limites (percebidos) – por vezes avançamos, outras recuamos. Mas quando temos a coragem de procurar o desconforto (apesar do medo, apesar da ansiedade), e somos capazes de enfrentar essas “coisas” que nos desafiam e que nos trazem desconforto, nós crescemos. Simultaneamente, criamos oportunidades para conhecer pessoas novas, ter novas experiências e aprender algo novo.
Mas será que precisamos de empurrar esses nossos limites para sermos felizes? A vida, em si, já tem tantos momentos de desconforto – temos mesmo que ir à procura de mais?
Depende do nosso olhar – falei em medo e ansiedade acima (porque a minha forma de pensar, na infância/adolescência, era essa) – medo e ansiedade de falhar, de não sermos bons o suficiente… Mas há outro olhar possível: podemos ver o desconforto como parte integrante da nossa aprendizagem e crescimento, com a convicção de que, superado o desconforto, se seguirão emoções mais positivas (motivação, bem-estar, desenvolvimento). Ou seja, podemos ver o desconforto como algo a temer ou podemos vê-lo como uma oportunidade para crescer.
Como é que poderemos reenquadrar o desconforto como algo positivo?
Há estudos que demonstram que as pessoas que estão disponíveis a arriscar tendem a ser melhores a solucionar problemas e a re-significar experiências negativas e dificuldades. Além disso, a partir do momento em que começamos a procurar, activamente, o desconforto, começamos a associá-lo ao sentimento de conquista, à capacidade de ultrapassar obstáculos e de sairmos mais fortes do outro lado… como dizia Sérgio Godinho “enfim de uma escolha faz-se um desafio” (e “enfrenta-se a vida de fio a pavio”) – e do desafio vem a adaptação, a capacidade de resposta e de ajuste, e daqui vem o crescimento (e a resiliência!). A verdade é que, ao longo da nossa vida, seremos confrontados com vários momentos de desconforto – certamente que quem está a ler este artigo já consegue identificar alguns na sua carreira, no seu percurso académico, na vida pessoal… a vida, felizmente, permite-nos praticar e treinar a nossa capacidade de lidar com o desconforto.
As aulas de dança e as colónias de férias de que vos falei no início deste texto acabaram por ser o desbloqueador de várias descobertas e aprendizagens importantes para mim – o gosto pela comunicação, pela relação interpessoal e pela colaboração, a importância da arte e o seu poder transformador, o interesse pela educação e formação e pela psicopedagogia, entre muitos outros aspectos – todos eles determinantes para as minhas escolhas de carreira já na idade adulta. Creio que a “minha” história não é minha, será comum a muitas pessoas diferentes e desafio o leitor a pensar sobre si mesmo – onde é que se (re)descobriu? O que aprendeu com os seus desafios e desconfortos? Será que neste momento está “paralisado” pelo medo e ansiedade supramencionados?
Eu gosto da ideia de podermos usar os desafios, as montanhas difíceis de subir, como combustível para o nosso desenvolvimento pessoal e profissional. E acho que há conforto nesta afirmação.
Despeço-me com um documentário do canal de Youtube (Yes Theory) que inspirou este texto.
“The Yes Theory is saying yes to those dreams that you think are so far-fetched, it’s being constantly in the persuit to go after those dreams, to go after the things that just matter the most to your life (…) you never know who that inspires or what that ends up contributing to your life”.