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Por Sabina: Psicologia do Feminino e no Feminino

Artigo por Edite Queiroz

Os estereótipos de género que subsistem na sociedade contemporânea são responsáveis, entre outros agentes de desigualdade, por rótulos associados às profissões, muitas delas percebidas como tipicamente femininas ou masculinas. A crença na ‘natureza feminina’ de profissões como o Serviço Social, a Psicologia ou a Enfermagem, sustentada no velho chavão (radicado na dicotomia sobrevivente da primeira divisão do trabalho) de que as mulheres são mais vocacionadas para a empatia e para o cuidado, continua a influenciar escolhas vocacionais e profissionais. Nas universidades, as mulheres estão ainda maioria em cursos tipicamente femininos que, à entrada no mercado de trabalho, resultam em desigualdades de acesso ao emprego, de estatuto e de salário.

A história da desigualdade de género é antiga na Psicologia. Estima-se que, no início do séc. XX, 1 em cada 10 Psicólogos era mulher, apesar do enfoque nos contributos masculinos na lista de pioneiros da nossa ciência (Wundt, Freud, Jung ou Rogers), da qual os nomes das muitas Psicólogas estão, curiosamente, omissos (*). Desde então, o número de mulheres na profissão aumentou consistentemente e hoje ultrapassa o número de homens, em larguíssima medida. Em 2022, cerca de 85% dos Membros da OPP são mulheres. Note-se ainda a menor frequência de Psicólogas em posições de chefia ou direcção, algo peculiar, face à elevadíssima percentagem de mulheres na profissão. Esta realidade é transversal: um relatório do Committee on Women in Psychology da APA evidencia que as Psicólogas enfrentam desigualdades no acesso ao emprego, na profissão, salários e posições que ocupam, inclusive na própria APA.

É também certo que a Psicologia foi, ao longo da sua história, pautada por vieses sociais e culturais que desconsideram grupos específicos e questões relevantes. Estudos que exploram diferenças associadas à raça, por exemplo, estão sub-representados, sendo uma das explicações o elevado número de investigadores brancos. A par da sua invisibilidade na história da ciência psicológica, as questões das mulheres tardaram também a ser problematizadas. Durante demasiado tempo, a Psicologia naturalizou desigualdades e subordinações de género, etnia ou classe, resistindo à distinção entre sexo e género, abordando as diferenças sexuais como factores explicativos, ao invés de pontos de partida para a investigação, ignorando a forma como as mulheres são diferencialmente impactadas pelos papéis que acumulam, pela pobreza, pela discriminação ou pela violência.

“…ainda que as lutas das mulheres nos tenham libertado de algumas das opressões vividas pelas nossas precursoras, é absolutamente necessária, por nós e por elas, a criação de um espaço de visibilidade e reconhecimento de uma Psicologia do Feminino e no Feminino…”

As Psicólogas e Psicólogos possuem ferramentas para um entendimento profundo sobre as raízes destas disparidades, bem como o dever, científico e ético, de resistir a enviesamentos que possam comprometer os objectivos últimos da sua ciência. Por tal, ainda que as lutas das mulheres nos tenham libertado de algumas das opressões vividas pelas nossas precursoras, é absolutamente necessária, por nós e por elas, a criação de um espaço de visibilidade e reconhecimento de uma Psicologia do Feminino e no Feminino, que reflita a poderosa herança dos movimentos feministas e consequentes mudanças no papel da mulher, estudando e procurando combater as dificuldades e obstáculos, sociais, laborais, económicos e políticos, que as mulheres continuam a enfrentar – dentro e fora da ciência psicológica.

 

(*) A este propósito, poderia referir Anna Freud, Mary Ainsworth ou Melanie Klein. Mas escolho falar-vos de Sabina Spielrein, judia, pioneira esquecida da Psicanálise, morta pelo regime nazi em 1942. O seu trabalho influenciou não apenas o de Jung, mas também o de Freud, que adoptou o conceito de pulsão de morte, por ela criado, integrando-o na sua obra Além do Princípio do Prazer. O filme A Dangerous Method (2011), de David Cronenberg, devolve-lhe uma merecida identidade científica – Eros e Thanatos não seriam os mesmos sem ela.