Artigo por Vanessa Yan
Li há umas semanas um texto que me trouxe uma nova perspectiva sobre o que é ser adaptável, criativo, humano. Chamava-se “O passo dos imortais”.
O Passo dos Imortais é um exercício em que se caminha para trás em vez do comum caminhar para a frente. E porque está relacionado com a imortalidade? Ser imortal numa perspectiva da filosofia tradicional taoista significa alguém sábio – sábio por ter algo valioso e extraordinário a acrescentar a uma dada situação, uma visão “fora da caixa”. Assim, se os mortais caminham para a frente, “ao caminhar para trás já estamos a criar um movimento que é fora da caixa e também extraordinário.”
O que o texto quer dizer é que é importante mantermos um olhar inovador. Há sempre um dia em que surge uma situação extraordinária, que não contávamos. Se já tínhamos de alguma forma essa ideia, com a pandemia da Covid-19 e mais recentemente a guerra na Ucrânia, essa ideia tornou-se numa certeza. Pensamos estar totalmente adaptados às nossas rotinas, mas é quando algo novo surge que se revela ter sido importante nos termos preparado antes de as crises acontecerem. Andar para trás pode parecer inútil, mas é desta curiosidade de fazer algo inovador nos momentos comuns que podemos encontrar soluções criativas para lidarmos com os momentos incomuns e desafiantes da vida.
A palavra-chave é, claro está, a Criatividade. Num artigo deste mês da revista Monitor on Psychology, da American Pshychological Association, fala-se sobre a ciência da criatividade e das novas descobertas que têm demonstrado que ser-se criativo pode levar a uma maior satisfação pessoal, resultados positivos em termos académicos e profissionais e até ser terapêutico.
“Quantos momentos “eureca!”, rápidos e inconscientes, ou momentos de trabalho criativo mais consciente e deliberado já tivemos? E quantos destes foram essenciais para as escolhas que fizemos, quer pessoais quer profissionais, e nos puseram onde estamos hoje?”
Há estudos que mostram que a criatividade pode ser algo inato, ligada ao traço de personalidade “abertura a novas experiências”: é certo que as pessoas mais criativas têm uma espécie de curiosidade que as leva a querer aprender coisas novas e a experienciar o mundo de novas formas (tal como andar para trás!). No entanto, a criatividade também é um “estado” e uma “competência”, sendo que todos nós podemo-nos tornar mais criativos.
Como o podemos fazer?
- Trabalhe para isso! Não só de momentos “aha!” vive a criatividade. Ser criativo também é, como vimos, uma competência. Podemos usar a “inspiração” para gerar ideias e a “transpiração” para trabalhar nessas ideias de forma crítica e as refinar. Revisite as suas ideias regularmente e trabalhe sobre elas – para isso, pode ser importante manter um registo escrito das suas ideias, mais ou menos “loucas”: tenha um bloco ou o telemóvel sempre à mão, porque nunca sabemos quando um momento “eureca!” pode surgir.
- Permita à sua mente divagar. Sabe aqueles momentos antes de acordar ou quando estamos imersos numa actividade e deixamos a mente “à solta”? Já lhe aconteceu nesses momentos virem à sua mente algumas das suas melhores ideias? Os especialistas recomendam “sonhar acordado com um propósito” e de forma regular, pois isso permite criar sinapses inesperadas. Caminhar na natureza, em espaço aberto (para expandir a mente) e meditar (que não é mais do que deixar os pensamentos fluírem, sem os tentar controlar e não se apegando a nenhum) pode ajudar a criar estas oportunidades criativas.
- Entregue-se a actividades “inúteis”. Como vimos com o exercício do passo dos imortais, criar espaço para ter momentos “inúteis” na vida (que fogem à eficiência e utilidade que sempre procuramos em tudo o que fazemos) pode ser um recurso precioso quando algo fora do ordinário acontece. Escolha hobbies criativos, que não precisam de ser “úteis” para a sua carreira, mas que só precisam de o/a animar e alegrar. Seja mais espontâneo/a, deslumbre-se com a vida, faça o caminho mais longo.
Se a criatividade está no âmago do que nos torna humanos e há sempre espaço para crescermos enquanto humanos, quanto mais praticarmos a criatividade, mais criativos seremos. E, quando menos esperar, mesmo andando para trás poderá estar a dar os melhores e mais certeiros passos na carreira e na vida.
Referências bibliográficas:
Weir, K. (2022). The science behind creativity. Monitor on Psychology, Vol. 53 No. 3. 40-49.
Avezedo, L. (2022, Abril 6). Caminhar como os Imortais. Regenerar. https://regenerar.pt/2022/04/imortais/