Se te pedissem para representar um psicólogo numa imagem, que imagem seria?
Se fizéssemos esta pergunta a pessoas aleatórias na rua, tenho como hipótese que cerca de 9 em cada 10 respostas nos remeteriam para uma imagem de duas-pessoas-numa-sala-a-conversar. Essa sala poderia ser mais luxuosa ou mais minimalista. As duas cadeiras poderiam ou não ter uma secretária entre elas. Ou uma mesinha de apoio com um relógio e uma caixa de lenços de papel. Uma das cadeiras poderia ser um divã. Mas estou em crer que não sairíamos muito disto.
Ora, existe muita (e boa) psicologia que extravasa largamente esta imagem de duas-pessoas-numa-sala-a-conversar. No imaginário popular, talvez estas sejam intervenções que “nem parecem psicologia”. Mas são. E existem também muitas outras intervenções (algumas de qualidade questionável) que cabem perfeitamente nessa imagem. Das quais os não-psicólogos diriam que “até parecem psicologia”. Mas não são.
Sobre as intervenções que extravasam o enquadramento “clássico” (e que são psicologia), recordo que nós psicólogos estamos, ou podemos estar, em qualquer espaço onde existam pessoas. Estamos com as crianças, os jovens, os adultos, os idosos. Estamos junto das pessoas, famílias, grupos, instituições, organizações e comunidades. Estamos na saúde, na educação, no trabalho, na justiça, nas políticas públicas. Na prevenção, na promoção, na intervenção, na reabilitação. Nas palavras de Martin Seligman (psicólogo, naturalmente…), “A psicologia é muito mais ampla que a medicina, ou que consertar o que não é saudável. É sobre a educação, o trabalho, o casamento – até sobre o desporto. O que quero é ver psicólogos a trabalhar para ajudar as pessoas a construir forças em todas estas áreas” A psicologia pode, em suma, estar em todas as áreas onde é necessária a aplicação da ciência psicológica a questões envolvendo o comportamento e os processos mentais. Aproveitemos esta transversalidade para construir percursos profissionais amplos e variados, fazendo escolhas que reflitam as oportunidades, mas também as nossas necessidades e ainda (porque não?) as nossas individualidades.
Sobre as intervenções que até cabem no enquadramento “clássico” (e que não são psicologia), recordo a multiplicidade de outras propostas que intervêm, ou pretendem intervir, no mesmo espaço que os psicólogos. Aqui refiro-me sobretudo à infinidade de propostas que têm vindo a proliferar no apetecível mercado do “desenvolvimento pessoal”. Algumas destas propostas são assumidamente místicas ou espirituais. Outras apresentam-se com termos e conceitos da psicologia ou de outras ciências, mas com pouco ou nenhum conteúdo da psicologia ou dessas outras ciências. Aqui não está em causa que as pessoas, no âmbito da sua autonomia, não tenham o direito de escolher recorrer às práticas que bem entenderem – sejam elas científicas, não científicas ou pseudocientíficas. Mas a nós, psicólogos, cabe o dever de contribuir para que essas escolhas sejam minimamente informadas. O que começa por não utilizarmos a nossa identidade profissional para credibilizar como científicas propostas que não o são. Por exemplo, não encaminhando as pessoas para essas práticas, e não as incorporando nós próprios no nosso reportório. Não percamos, então, o nosso foco – a ciência psicológica, que está na base das nossas intervenções, independentemente da diversidade das suas aplicações.
Voltando à pergunta inicial… Para um psicólogo em início de carreira, a resposta à pergunta sobre o que faz um psicólogo é suscetível de condicionar escolhas futuras, a vários níveis. Que tipo de formações devo procurar? Que tipo de oportunidades devo aceitar? Que tipo de projetos devo propor? Se nos conseguirmos distanciar desta imagem de psicologia enquanto duas-pessoas-numa-sala-a-conversar, bem… há muitas portas que se abrem, e algumas que se fecham. E está tudo bem, porque conseguimos, simultaneamente, aumentar a abrangência e melhorar a qualidade dos nossos contributos.