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O Lado Selvagem (para estudantes de Psicologia)

Artigo por Ana Catarina Silva

Ao escrever o artigo Sou estudante de Psicologia (O que gostava que me tivessem dito), intencionalmente, por considerar que a sua importância é demasiado grande para não merecer uma reflexão por si só, não explorei esta perspectiva, chamemos-lhe o lado mais selvagem, inspirada no filme “Into the Wild”.

Num resumo grosseiro, o filme “Into the Wild” (2007), em português “O Lado Selvagem”, realizado por Sean Penn, retrata o abandono da sociedade pela personagem principal (baseada numa história verídica), para viver em pleno a natureza, numa abordagem extrema (ou não) de (sobre)vivência.

Numa das mais inquietantes músicas (para mim), Society, que compõe a banda sonora deste filme, magnificamente interpretada por Eddie Vedder, somos levados a refletir na abordagem não tão selvagem, mas igualmente extrema e muitas vezes bem mais violenta e negativa – as imposições/exigências da sociedade (e nossas).

It’s a mystery to me

We have a greed

With which we have agreed

You think you have to want more than you need

Until you have it all you won’t be free

Society, you’re a crazy breed

Hope you’re not lonely without me… ¹

Não desvalorizando, obviamente, a necessária ambição e válido investimento no estudo, descurar que a aprendizagem acontece também na vivência e nas experiências em contextos mais informais e menos académicos, pode não ser assim tão benéfico e recompensador na gestão pessoal da carreira.

Proponho a reflexão e resposta à tão conhecida pergunta “Qual a importância que esta situação terá daqui a 5 anos?”, referindo-me às exigências (internas e externas) colocadas no desempenho académico.

Proponho igualmente que se faça esta questão relativamente a um jantar de aniversário, a um almoço de família/amigos, a umas férias não gozadas, a um filme não visto, a um concerto adiado, um fim-de-semana no quarto dedicado a estudar…

Tal como na música e no filme referidos, estará a ambição (em todas as suas dimensões) em TER mais do que o que realmente precisamos, a condicionar a vivência de todas as outras áreas e papéis que não só o relacionado com o desempenho académico?

Sentir-nos-emos verdadeiramente livres e experienciaremos gratificação quando atingirmos esse TODO?

Estudar e exercer Psicologia é um desafio muito exigente, todos os dias, pelo que quanto mais cedo se trabalhar o equilíbrio entre as exigências académicas, a ambição do melhor desempenho académico e a vida pessoal e social, mais e melhor se estará preparado para o ritmo, desafios e exigências do mercado de trabalho.

Abdicar sempre do mesmo lado da balança, ceder às exigências e padrões de excelência da sociedade e pautar os dias, enquanto estudantes, apenas pelos resultados académicos, pode ser um “perigoso caminho”.

I think I need to find a bigger place

‘Cause when you have more than you think

You need more space. ¹

Não será certamente assim tão “selvagem” viver em maior consciência e presença as outras dimensões da vida, igualmente tão importantes na construção e desenvolvimento da carreira, adoptando uma abordagem de equilíbrio e não de extremo de sobrevivência enquanto estudantes.

Se me tivessem dito que a diferença entre uma nota boa e uma nota muito boa, seria na maior parte das vezes, para mim, a ausência a um aniversário de um familiar (que hoje já não está cá), menos um concerto de uma banda que já não existe e menos um jogo de Portugal visto no Mundial de 2002, teria certamente sido mais selvagem no equilíbrio entre as vivências.

Hoje sou Psicóloga, tal como um dia também serão, e acredito que sou e serão tão melhor(es) profissional(ais) quanto mais vivências nos permitirmos ter, aceitando que, na maior parte das vezes, a liberdade e gratificação vem do equilíbrio e controlo da ambição do TER, principalmente daquilo que não precisamos (ou não faz assim tanta diferença).

 

* Society – Eddie Vedder, álbum Into the Wild, 2007