Artigo por Joana Almeida Monteiro
“Planta uma árvore, tem um filho, escreve um livro” – não há certezas acerca da autoria desta conhecida máxima, se do escritor cubano José Martí, se de outro qualquer autor (anónimo, ou não).
Podemos achar esta ideia datada ou até, de acordo com os valores de cada um, altamente questionável. Podem estes três exemplos não ser objectivos de vida de todos nós, mas o que lhe está subjacente ser-nos-á familiar: é o natural desejo de nos sentirmos realizados pelo legado que criamos e deixamos. Transportamos esse desejo para várias esferas da nossa vida, sendo que a profissão não é excepção.
Quando, no início do 5º ano do Mestrado Integrado em Psicologia, tive de escolher o/a Professor/a que me ia orientar, fi-lo por identificação global com a pessoa e por saber que era alguém com quem tinha mais liberdade em escolher um qualquer tema desde que tivesse relação com a área de estudos. Zero arrependimentos com a Professora escolhida (obrigada por tudo, Prof.ª Dulce!), mas a estratégia não se terá revelado a melhor para mim. Como não sabia bem o que queria, adiei, desta forma, a minha escolha, além de que o que inicialmente me pareceu óptimo – ter assim (praticamente) todas as possibilidades em aberto em termos de tema – se revelou mais tarde como uma pressão acrescida para “escolher bem”.
Li muito, pesquisei muito, achei dezenas de ideias interessantes e tinha várias opções em aberto. Mas não sabia o que queria. Numa reunião de orientação em que já deveria ter um tema escolhido colapsei. Em resposta, além de ter visto validada a minha frustração, tive ajuda a perceber que não tinha de colocar tanta pressão naquela escolha. O objectivo da dissertação é aprender (e demonstrar que aprendemos) a fazer aquele tipo de trabalho, a seguir o método científico, a aplicar regras da APA, … E muito embora seja sempre um singelo contributo para a ciência na nossa área…não é preciso inventar a pólvora! E é “só” uma dissertação de mestrado; ninguém espera que façamos (não obstante podermos fazê-lo) um trabalho perfeito ou ao nível de um artigo publicado. [Acabei por escolher um tema que “simplesmente” achei interessante e relevante – nada que tenha mudado o mundo 🙂 ]
“Na nossa vida profissional estamos, por vezes, a ambicionar a perfeição, a querer criar de raíz projectos incríveis, a querer ser de tal modo únicos e incomparáveis que nos aprisionamos num impasse. Quantos de nós adiámos, meses a fio, o avançar com uma proposta de um projecto porque “ainda não está no ponto”? […] Talvez possamos, em algumas situações, ver o que já existe no sentido do que imaginamos. E, assim, ver se podemos inspirar-nos no que já foi feito. Não precisamos de estar todos a criar, do zero […]“
De repente, senti como se me tirassem uma tonelada das costas: tinha permissão para não apontar para as estrelas, bastava ir em direcção ao céu! Estava tão investida a encontrar o tema perfeito que estava desfocada do objectivo, além de me estar a consumir pela culpa de “não ser capaz”. Desde essa altura, tenho um mantra que me acompanha até hoje “O óptimo é inimigo do bom”.
Na nossa vida profissional estamos, por vezes, a ambicionar a perfeição, a querer criar de raíz projectos incríveis, a querer ser de tal modo únicos e incomparáveis que nos aprisionamos num impasse. Quantos de nós adiámos, meses a fio, o avançar com uma proposta de um projecto porque “ainda não está no ponto”?
Assim, deixava a este propósito para reflexão os seguintes pontos, em formato de “ideias soltas”:
- Começar do zero, com o cursor a piscar numa folha Word vazia é um momento que será familiar a todos. Talvez possamos, em algumas situações, ver o que já existe no sentido do que imaginamos. E, assim, ver se podemos inspirar-nos no que já foi feito. Não precisamos de estar todos a criar, do zero, projectos XPTO, linhas de investigação “fora da caixa”, quando podemos beneficiar do crescimento que eles já tiveram noutras mãos.
- Existem N projectos já criados por colegas psicólogos/as (e não só) que podem ser incríveis, já ter dados de avaliação da sua implementação, ter materiais de divulgação e feedback do seu impacto – porque não ver se os podemos adaptar ou replicar à nossa realidade? Sabia que a OPP tem, no seu portal de recursos, um levantamento, em constante recolha, de programas de prevenção/promoção de competências?
- Por percepcionarmos um mundo do trabalho altamente competitivo (e às vezes até hostil), tendemos a “fechar-nos em copas” e ter receio que as nossas ideias nos sejam roubadas. Ainda temos pouca cultura de partilha dos projectos que fazemos, e por isso andamos vários, em paralelo, a fazer coisas muito parecidas, quando podíamos investir esforços conjuntos.
- Às vezes andamos a remar sozinhos, contra a maré, e se nos unirmos a colegas podemos sair do impasse em que estamos. Podemos pensar em trabalhar em equipa, mas também em investir em intervisão e/ou supervisão. Quem sabe não se desbloqueia assim uma ideia por concretizar, ou encontramos a parceria certa para passar à acção?
O nosso impacto e marca no mundo pode ser feito de pequenas coisas. Assim, vinha propor que pudéssemos pensar o “ser empreendedor” de forma alcançável a todos.
No fundo, desafiava quem lê a agarrar-se à ideia de que “o óptimo é inimigo do bom” e pudesse permitir-se falhar, adaptar, e ter contributos valiosos para o mundo da Psicologia, por muito simples ou até “invisíveis” que sejam. Mais vale fazer bem de forma sustentada que ser aparentemente ultra inovador mas não causar qualquer impacto (a não ser o fogo-de-vista da ideia XPTO, que depois não se materializa).
Criemos a nossa própria visão de “legado”. Encontrarmos significado no que fazemos pode estar mais dentro de nós que no que é percepcionado pelos outros. E está tudo bem.