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"Não me leve a mal a pergunta, mas... Que idade é que tem?: Perguntas populares em início de carreira & algumas respostas possíveis

Quando comecei a exercer, há cerca de 20 anos, a pergunta do título surgia frequentemente da parte dos meus clientes. Outras perguntas populares eram variações mais específicas desta questão: “Mas sendo tão jovem, já alguma vez passou por X, Y ou Z?” Curiosamente, as perguntas que eu tinha antecipado, e a que estava efectivamente preparada para responder, muito raramente surgiam… Perguntas sobre modelos teóricos, evidência sobre determinada intervenção e aspectos expectáveis da intervenção psicológica surgiam apenas pontualmente e em situações muito específicas. Aparentemente, o que mais intrigava os meus clientes era a minha experiência de vida (ou a falta dela). E eu não estava preparada para isso.

As perguntas sobre a experiência de vida do psicólogo podem ter subjacentes diferentes motivações, e geralmente é boa ideia procurar perceber o motivo da pergunta antes de arriscar uma resposta. Pode ser mera curiosidade. Pode ser uma forma de preencher um silêncio, ou de mudar de assunto. Pode ser uma procura de “humanizar” o psicólogo, de aumentar a proximidade, de criar reciprocidade ou de reduzir a assimetria na relação profissional. Pode ser uma forma de testar os limites dessa relação. Ou, e esta é a hipótese que vou assumir aqui, pode ser uma tentativa de avaliar a competência do psicólogo. Afinal, é legítimo pensar: “se esta pessoa é tão jovem e, presumivelmente, tem tão pouca experiência de vida, quão capacitada estará para me compreender e ajudar?”. Por outras palavras, “Se esta pessoa nunca esteve no lugar onde eu estou, como pode ajudar-me a sair daqui?”

Confirmando-se esta hipótese, a primeira boa notícia é que este é um problema que se resolve sozinho. A partir de certa idade, a preocupação dos clientes com este tema tende a desaparecer (e esta é uma constatação agridoce…). A segunda boa notícia, é que este é um problema relativamente fácil de desconstruir. Afinal, esta preocupação baseia-se no pressuposto que a competência do psicólogo se baseia na sua experiência de vida. E isto não é verdade. Um psicólogo pode ter competência em áreas nas quais não tem qualquer experiência pessoal. E pode não ter competência em áreas nas quais tem muita experiência pessoal. Isto porque a competência do psicólogo não se baseia na sua experiência, e sim na sua ciência.

Mais, esta intervenção baseada em ciência e não em experiência é o que permite ao psicólogo separar o que é seu do que é do cliente. É verdade que a semelhança de percursos ao nível de situações relevantes pode trazer algumas vantagens para a intervenção com o cliente. Nomeadamente, pode facilitar a comunicação sobre essas situações, pode ajudar a compreender e a validar a experiência do cliente e pode proporcionar ao cliente um modelo de coping face a essa experiência, na pessoa do psicólogo. Contudo, esta semelhança pode também trazer alguns riscos à intervenção. Dos quais, o principal poderá ser precisamente a sobre-identificação com o cliente, e o enviesamento que daí decorre. Por outras palavras, há o risco de o psicólogo esquecer que não se trata apenas de colocar-se no lugar do cliente, mas sobretudo de colocar-se no lugar do cliente como se fosse o cliente. E que o cliente terá uma experiência (e soluções) que podem ser (e provavelmente são) diferentes das do psicólogo.

Então e… responder ou não a estas questões? A abordagem varia consoante o modelo utilizado, o objetivo da intervenção, a relação estabelecida com o cliente e as motivações subjacentes à questão colocada. Se houver vantagens a estes níveis, porque não? Mas sempre tendo e mantendo claros o âmbito e os limites da resposta que se dá. Nomeadamente, explicitando que o psicólogo pode ajudar o cliente a sair de lugares onde o próprio nunca esteve (e não ser capaz de o fazer relativamente a lugares que até conhece bem). Isto porque o caminho a fazer é o do cliente e não o do psicólogo.