Artigo por Edite Queiroz
Nunca, como hoje, os Media foram mais relevantes – pelos melhores e piores motivos. Eles ensinam e prescrevem formas de agir, de pensar e de ser, funcionando como veículos de conhecimento, de informação e de promoção da participação social, mas também de disseminação de fake news, da naturalização de preconceitos ou estruturas de violência e da instituição de narrativas simplistas, polarizadas ou inabaláveis. Embora a pluralidade dos Media pudesse corresponder a maior diversidade de perspectivas e opiniões, o fenómeno não se traduz no aumento do debate construtivo ou no reforço da liberdade de expressão, mas antes em problemas complexos como a infodemia, desinformação (fake news), propaganda e polarização da opinião pública.
Estes problemas têm sido especialmente salientes nas últimas décadas, ao longo das quais as redes sociais se instalaram definitivamente no nosso quotidiano e somaram, aos conhecidos riscos da exposição aos Media, o facto de qualquer pessoa poder criar conteúdos. A cobertura dos mais variados temas é hoje marcada pela sobrecarga informativa, mas também pela ausência de contexto, por imagens sensacionalistas, pormenores gráficos sem edição, selecção ou contrastação de fontes, linguagem metafórica ou adjectivante ou apreciações pouco fundamentadas – que podem, em segundos, chegar a todos os pontos do globo. Frequentemente, os eventos noticiados (por exemplo, notícias sobre acidentes, maus-tratos, homicídios ou suicídios, sobre a pandemia COVID-19 ou, mais recentemente, sobre a guerra na Ucrânia) são apresentados como batalhas entre o bem e o mal ou entre o certo e o errado, gerando ideias estereotipadas e reacções exacerbadas, bem como confusão, hostilidade e preconceito.
“Existem inúmeras evidências de que o grau de exposição aos Media afecta negativamente a saúde psicológica e mesmo a física, em particular quando eventos violentos ou traumáticos estão em causa.”
Existem inúmeras evidências de que o grau de exposição aos Media afecta negativamente a saúde psicológica e mesmo a física, em particular quando eventos violentos ou traumáticos estão em causa. Na presente situação de guerra, é evidente que o conflito não é apenas travado no terreno, mas também – e sobretudo – nos ecrãs televisivos e na Internet, nos quais é transmitida e discutida uma guerra virtual psicológica que disputa a construção das imagens e narrativas. O chamado jornalismo de guerra é determinante para a percepção de risco e adensa sentimentos de medo e insegurança que podem evoluir para estados persistentes de stresse, dificuldade de desligar, raiva ou problemas mais graves de saúde psicológica. Este tipo de jornalismo, ao normalizar actos violentos e posições extremadas, alimenta um sentido de desconexão com o mundo (a guerra dos outros), corroendo a capacidade empática e podendo conduzir a reacções agressivas ou a comportamentos de discriminação para com determinados países, povos ou populações. Num momento em que vivemos ainda os efeitos de um longo período de stresse, ansiedade e incerteza que marcou toda a pandemia, é expectável que todos estes efeitos sejam ainda mais marcados.
Os/as Psicólogos/as têm um papel crítico junto dos Media, podendo apoiar a prática de um jornalismo com responsabilidade, capaz de avaliar adequadamente e de forma sensível o que comunicar, quando comunicar e como comunicar, assegurando a clareza, a imparcialidade e a verdade e, simultaneamente, prevenindo ou minorando consequências psicológicas adversas para as pessoas directa e indirectamente envolvidas nos eventos noticiados. No entanto, porque a evidência demonstra que a desinformação, depois de difundida, é difícil de corrigir, todos/as os/as Psicólogos/as, qualquer que seja o seu contexto de intervenção, têm a responsabilidade de apoiar as pessoas na gestão emocional das informações recebidas, bem como na construção de uma tão necessária cibercidadania. Esta inclui competências para compreender e utilizar a informação, combatendo o potencial impacto negativo dos Media – nomeadamente, competências de literacia digital (que permitem, por exemplo, entender o funcionamento de algoritmos ou distinguir factos de opiniões), competências cívicas (que asseguram a responsabilidade digital para os outros na divulgação de conteúdos ou o exercício de um sentido crítico) e competências de cibersegurança (que diminuem a vulnerabilidade a ataques de hackers ou outras técnicas de manipulação online). É nossa tarefa transversal a promoção da inclusão, da autonomia e da integração psicossocial das pessoas, no mundo real e virtual, promovendo a sua auto-determinação, agência pessoal e (ciber)cidadania activa, proporcionando-lhes ferramentas para que possam, de forma informada e consciente, participar da sua comunidade e do mundo.