Artigo por Ana Leonor Baptista
Há umas semanas estava a fazer scroll no LinkedIn e encontrei uma publicação com milhares de “gostos”, em que se lia o seguinte:
“Sabia disto? As uvas são pisadas para fazer vinho, as azeitonas são esmagadas para fazer azeite, os diamantes formam-se sob pressão, as sementes crescem no escuro… Por isso, quando se sentir pisado, esmagado, sob pressão ou na escuridão, lembre-se de que se encontra num poderoso momento de transformação – confie no processo.”
Sem desconsideração pela metáfora interessante que o autor encontrou, ao ler esta publicação e constatar as milhares de reacções positivas à mesma por parte dos leitores, o meu pensamento imediato foi este – quão perigoso é estes milhares de pessoas “confiarem” que, por se encontrarem numa vivência negativa, tal se reenquadrará magicamente como “transformação poderosa”?
“[…] creio que se conversar com colegas psicólogos irá constatar que uma parte significativa dos mesmos terá passado pelos ditos momentos de escuridão e de dificuldade. Também estou convicta de que, se questionar cada um deles, todos lhe dirão que esses momentos lhes ofereceram lições, aprendizagens, ferramentas… Mas não acredito que haja um único colega que magicamente se tenha transformado em diamante apenas por ter sido pressionado.“
Este tipo de afirmações soam um pouco a positividade tóxica – uma crença que valida a fuga das emoções e sentimentos negativos ou a sua supressão, em prol de um olhar redutor que apenas vê o que é positivo. Categorizo este olhar como redutor porque algumas das certezas da vida são a morte, o sofrimento, a impermanência… E revestindo cada uma destas “certezas” de uma tonalidade negativa (que, atenção, nem sempre é o caso – mas é o que escolho utilizar para que me acompanhe nesta reflexão), julgo que ninguém pode afirmar que uma vivência de escuridão, em si, se irá transformar em algo bom – é apenas uma vivência, uma factualidade (ou uma percepção, ou ressonância, é claro). Afirmações deste tipo, que são primas de outras como “pense positivo” e “vai ficar tudo bem”, levam a que, por um lado, se perca a noção da importância e função das emoções (todas elas, incluindo as mais negativas) e, por outro lado (e um “lado” muito importante), se desresponsabilize o papel activo do indivíduo perante os problemas e dificuldades. Quem “confia no processo” não age nem procura a transformação, simplesmente espera que ela aconteça.
Concretamente, e aplicando esta ideia à afirmação em análise, é curto substituir os problemas por evoluções “à espera de acontecer”. É efectivamente comum que, por detrás de cada conquista ou vitória, existam muitos falhanços, muitos dias maus, muitos caminhos tortuosos com obstáculos que nos desmotivam… Porém, o crescimento e a tal “transformação” acontecem quando, perante a dificuldade, o indivíduo é capaz de mobilizar recursos pessoais, organizar a sua realidade e agir em prol da procura de soluções construtivas, ou seja, quando o indivíduo consegue encontrar formas de gerir os problemas e retirar dessa gestão novas aprendizagens.
Pensando na carreira, na (re)integração no mercado de trabalho ou até na procura do primeiro emprego em Psicologia, creio que se conversar com colegas psicólogos irá constatar que uma parte significativa dos mesmos terá passado pelos ditos momentos de escuridão e de dificuldade. Também estou convicta de que, se questionar cada um deles, todos lhe dirão que esses momentos lhes ofereceram lições, aprendizagens, ferramentas… Mas não acredito que haja um único colega que magicamente se tenha transformado em diamante apenas por ter sido pressionado. Por vezes, no meu contacto com colegas que estão a tentar integrar ou reintegrar o mercado de trabalho, noto uma certa tendência para este “encostar”, uma certa tendência para a responsabilização alheia das dificuldades no percurso pessoal profissional, uma certa acomodação associada a um locus de controlo externo, a uma dicotomia de sorte/azar que dita a integração de uns e os obstáculos dos outros. Bem… de certo modo, o meu objectivo hoje é tentar desconstruir a ideia de que todos temos/teremos percursos lineares e “perfeitos” e pôr a descoberto que as vivências negativas na carreira (ou na integração no mercado de trabalho) são normais, são esperadas (tal como o são na vida pessoal de cada um). Não devem, no entanto, ser paralisadoras, mas sim mobilizadoras – mobilizadoras de competências, de pensamento crítico e da capacidade de cada um se colocar em causa e pensar diferente, criando assim espaço para fazer diferente e encontrar soluções.
Deste modo, a mensagem que partilho com os colegas que se encontram na escuridão, é que não parem de se mover (de se questionar!) para procurar luz, não no sítio em que se encontram parados, mas em si mesmos e na sua realidade – nas suas competências, nos seus recursos, na sua rede, no próprio mercado de trabalho, na exploração de novas áreas. Aceitando, claro, que as luzes, na carreira e na vida, nem sempre estarão ligadas… mas tal como na nossa infância, quando brincávamos ao quarto escuro – isso não quer dizer que paremos de procurar o interruptor.