Artigo por Ana Leonor Baptista
Vi recentemente, numa série de televisão que se situa entre o drama e a comédia (um género que se torna realista e próximo ao reflectir o humor como estratégia de coping), a dificuldade de um jovem trabalhador em ajustar-se a uma nova função na empresa em que trabalhava há já alguns anos. Por entre alguns detalhes caricaturados, a personagem explora o caminho entre a sensação de perda de controlo, a frustração, as emoções negativas suscitadas por interacções com colegas e chefias difíceis e, concomitantemente, a felicidade e o sentimento de auto-realização por assumir uma nova função e ter um novo papel, a adaptabilidade que tal lhe exige e o desafio global que será navegar neste novo enquadramento.
Inevitavelmente, remeti-me não só para as minhas experiências, mas também para as experiências que colegas, psicólogos júnior ou psicólogos em estágio curricular já partilharam comigo sobre os seus percursos profissionais, principalmente no início de carreira. Cada pessoa percorre o seu caminho de adaptação ao local de trabalho, activando os seus recursos e competências e procurando mobilizar as suas qualidades da melhor forma que consegue.
” (…) encontre o valor em olhar para fora mas também em olhar para dentro – como quem ouve a canção e cria a letra”
Pareceu-me pertinente sugerir um breve “Guia de Sobrevivência” para o melhor ajuste possível a um novo emprego:
- Observe: É fundamental, numa fase inicial do percurso profissional ou do desempenho de uma nova função, uma postura de curiosidade e observação consciente de alguns aspectos: questões práticas do exercício da função, fluxos de comunicação da organização, tarefas inerentes à função, expectativas relativamente ao seu desempenho, entre outros.
- Anote: Observar não é suficiente – na fase de adaptação a um novo local de trabalho ou a uma nova profissão, é comum que exista alguma “sobrecarga” de informação e é igualmente comum que não tenha capacidade para a digerir e integrar de uma só vez – anote tudo! Anote o código para utilizar a impressora do seu local de trabalho, anote os passos que tem de dar para aceder a determinada plataforma online, anote os recursos de que se pode socorrer quando precisa de saber mais sobre determinado assunto. Anotar, em suporte de papel ou digital, é um recurso importantíssimo que não só serve de memorando “ambulante” como previne também a duplicação de pedidos de informação aos seus colegas e chefias.
- Peça ajuda: É possível que anote tudo e mesmo assim necessite de ajuda! O ajuste à nova função é em si uma aprendizagem e, perante dúvidas ou dificuldades, o novo trabalhador deverá sentir-se confortável para pedir ajuda, apoio ou esclarecimento. Laura Herring, CEO do Grupo IMPACT, defende que as pessoas (mesmo em posições de chefia) não devem sentir receio de procurar apoio ou ajuda, pois é simplesmente irrealista pensar que podem encontrar em si mesmas todas as respostas que procuram.
- Absorva (sem se perder): Como psicólogo, conhecerá a aprendizagem por modelagem, isto é, por observação e repetição de comportamentos. O ser humano absorve, integra o que vê (aprende) e mimetiza-o. Se por um lado pode ser indispensável para aprender, por outro lado pode constituir-se um processo perigoso se o indivíduo perder a sua individualidade neste olhar atento e reprodutivo do que está em redor.
- Encontre-se: Neste seguimento, importa notar que o crescimento e o desenvolvimento profissional são contínuos e que, nos meandros da aprendizagem, faz sentido que se criem momentos de olhar também para dentro e reflectir – com base nas minhas competências e experiências prévias, qual pode ser o meu contributo nesta função que agora desempenho? O que é que eu, com a minha história pessoal e profissional, posso aportar à organização que me acolhe?
Caso esteja a iniciar o seu percurso profissional, ou caso se encontre a desempenhar uma função nova ou diferente, espero que este guia breve lhe suscite reflexão e o possa apoiar na transição e na mudança. E espero que encontre o valor em olhar para fora mas também em olhar para dentro – como quem ouve a canção e cria a letra, sente o cheiro e concebe o sabor, capta a dança e ecoa poesia.