Artigo por Ana Leonor Baptista
Quando se inicia uma carreira em Psicologia, quando se equacionam mudanças no percurso profissional, quando se pensa em explorar outras áreas, habitualmente há um denominador comum – o querer ter a resposta sobre o que vai acontecer a seguir – a resposta completa, sem vírgulas nem conjunções coordenativas adversativas… Este querer está muito enraizado no desconforto com a incerteza de não saber o que se segue, com o receio de que o futuro não corresponda à expectativa, com a dúvida e o medo que são praticamente inerentes ao conceito de mudança.
Quando abordamos o mercado de trabalho pela primeira vez, quando ponderamos mudar de carreira ou procurar uma nova oportunidade na área, existe uma certa tendência para aguardarmos a chegada de uma “epifania” que nos ajude a ter um insight certeiro acerca do que temos de fazer para nos aproximarmos dos nossos objectivos. Na realidade, mais do que precisarmos de uma grande luz que nos aponte para o destino, mais do que precisarmos de ver logo “the big picture”, precisamos mesmo de olhar para o que (já) temos para perceber o caminho que teremos de criar. Tal como na construção de um puzzle, o primeiro passo tem de ser despejar todas as nossas peças para cima da mesa e virá-las a todas para cima.
Conhecer as peças (e as suas ligações)
Qualquer que seja a mudança antecipada, para começar a construir um puzzle, temos que começar por olhar para as peças que temos e intuir as ligações que possam existir. Isto significa mapear competências, explorar interesses (dentro e fora da Psicologia), criar uma narrativa de carreira, olhar para as experiências prévias, para o currículo, para a formação de base e formação contínua… E significa, também, começar a encontrar algum propósito nas peças que temos, começar a perceber que elos de ligação existem, que experiências fundamentam determinada afirmação de competência, que peças nos diferenciam (e tudo isto são elementos importantes para os passos seguintes).
Afastar peças que não encaixam
Não obstante por vezes encontrarmos peças que parecem encaixar na perfeição em determinado sítio do nosso puzzle, o nosso processo de auto-conhecimento e de gestão pessoal da carreira por vezes faz-nos perceber que esse nem sempre é o caso. Perceber também de que é que não gostamos, quais as nossas limitações e pontos fracos, quais as áreas, contextos, populações-alvo, entidades que queremos evitar… pese embora possa ser difícil de pensar sobre (porque nos confronta com o que em nós é “menos bom”) é muitíssimo útil na nossa construção, pois reduz o ruído, permite-nos eliminar uma parte da realidade e focar naquilo que realmente se alinha connosco.
“É na construção que significamos a nossa narrativa e é aí que captamos a clareza necessária não só para definirmos os nossos objectivos, como para traçarmos os planos necessários à sua prossecução, como ainda para colocarmos em prática as acções e movimentos que nos levarão ao tal futuro, removendo a pouco e pouco a incerteza.”
Usar a lógica (e a intuição)
Completar um puzzle é um processo de lógica, mas também de intuição, tal como gerir a carreira. É necessário activarmos o nosso pensamento racional para mapearmos caminhos, definirmos objectivos SMART e concebermos planos de carreira, porém também é preciso uma dose de coragem, confiança, persistência e maturidade para encontrar os encaixes que nem sempre são óbvios e explorar novos posicionamentos.
Pedir um par de “olhos emprestados”
Por vezes ficamos estagnados num determinado ponto desta nossa construção – este é o momento em que pode ser útil pedir ajuda. Ter mais uma cabeça a pensar connosco, a oferecer-nos outra perspectiva ou a colocar-nos diferentes questões é muitas vezes aquilo que necessitamos para que haja um desbloqueio.
Gerir a carreira é (quase) como construir um puzzle. É sermos capazes de olhar, de forma inteira, as várias peças que nos compõem (as competências, as experiências, os limites, os gostos, os interesses, os traços de personalidade, a rede de contactos, as áreas geográficas, as questões pessoais, etc.)… É termos a perspicácia de aferir ligações entre estes elementos, começar a organizar as várias peças em pequenas partes que façam sentido e, de forma consciente, gradual mas estratégica, começar a construir o nosso puzzle, dando sentido aos vários encaixes que vamos fazendo. É na construção que significamos a nossa narrativa e é aí que captamos a clareza necessária não só para definirmos os nossos objectivos, como para traçarmos os planos necessários à sua prossecução, como ainda para colocarmos em prática as acções e movimentos que nos levarão ao tal futuro, removendo a pouco e pouco a incerteza.
Conforme referi acima, gerir a carreira é quase como construir um puzzle – se quando adquirimos um puzzle temos na sua “caixa” a imagem à qual queremos chegar, quando iniciamos o nosso processo de gestão pessoal de carreira será difícil conhecermos, à partida, essa visão. Por isto se afirma que a gestão de carreira é pessoal e é construída – depende de nós olhar para as peças de que dispomos e conceber o que poderemos criar.