Artigo por Ana Sofia Nobre
“Na alvorada do terceiro milénio, a humanidade acorda, espreguiça-se e esfrega os olhos. Ainda pairam sobre o seu espírito fragmentos de um pesadelo horrível: «Era qualquer coisa como arame farpado e nuvens gigantes em forma de cogumelo. Enfim, foi só um pesadelo.» Na casa de banho, a humanidade lava a cara, observa as rugas no rosto; depois, prepara uma chávena de café e abre a agenda. «Vejamos o que o dia de hoje nos reserva.»
É assim que Yuval Noah Harari inicia o seu livro Homo Deus-História Breve do Amanhã. Diz mesmo “(…) A maioria das pessoas raramente pensa nisso, mas nas últimas décadas conseguimos dominar a forme, as epidemias e a guerra.”
Como me fez sentido estas palavras quando as li, mas como poderão também demonstrar o quão surpresos ficámos com o que estes anos nos têm reservado, pondo completamente em causa a nossa noção de alguma previsibilidade sobre o amanhã.
Creio que o dia 24 de fevereiro ficará na nossa memória pelos piores motivos. Partilho convosco que nesse mesmo dia, ao acompanhar as primeiras noticias sobre a guerra, pensei que talvez tivesse acordado noutro seculo que não o XXI, os meus olhos não queriam acreditar no que viam. Quando um mundo inteiro se tenta restabelecer dos impactos da pandemia, eis que entramos neste período sombrio da humanidade. Como escreveu Raquel Raimundo, no seu artigo de opinião para a CNN Portugal, “(…)Não existe uma guerra que possa ser ganha”, todos perdemos, de forma directa, de forma indirecta, e os impactos psicológicos são e serão a curto, médio e longo prazo pesados.
Deste modo, todos nós, psicólogos e psicólogas somos chamados a Construir a Paz e esta construção faz-se também no nosso dia-a-dia, no nosso exercício profissional, quando respondemos aos desafios societais que surgem, quando somos promotores de liberdade e cidadania e quando ancorados na evidência científica, mantemos a ligação da nossa área profissional sempre em linha com as necessidades dos indivíduos, dos grupos, das entidades, das comunidades, em constante mutação.
Estes anos são reveladores de mudança na vida da Humanidade, tendo a Psicologia como objecto de estudo e intervenção o Indivíduo, a nossa realidade profissional é dinâmica pelo que novas necessidades serão mais prementes, independentemente do nosso contexto de intervenção.
“(…) todos nós, psicólogos e psicólogas somos chamos a Construir a Paz e esta construção faz-se também no nosso dia-a-dia, no nosso exercício profissional, quando respondemos aos desafios societais que surgem, quando somos promotores de liberdade e cidadania e quando ancorados na evidência científica, mantemos a ligação da nossa área profissional sempre em linha com as necessidades dos indivíduos, dos grupos, das entidades, das comunidades, em constante mutação.”
Deste modo, gostaria de lhe deixar um desafio face à situação em que vivemos, reflicta sobre o seu contexto de intervenção actual e identifique as novas necessidades que lhe poderão chegar/ou já chegaram face ao cenário de guerra em que vivemos. Num rápido e modesto exercício de reflexão, podemos imaginar, o impacto das separações das famílias, a vivência de situações traumáticas, o falta de sentido de pertença, percepção de insegurança, processos de luto patológico, a necessidade de apoio ao nível de inclusão escolar e profissional, as barreiras de integração percebidas ou mesmo o impacto indirecto da guerra, por exemplo, decorrente da exposição continua a informação sobre os conflitos, que sabemos ter um impacto psicológico negativo.
Temos e teremos um papel muito importante a desempenhar, deste modo, embora possamos sentir o ímpeto de agir no imediato, a curto, médio e a longo prazo teremos todos o nosso papel enquanto “Construtores de Paz” no âmbito da nossa prática, assim como o fizemos durante a crise pandémica.
Para acompanhar estas novas necessidades e de forma a garantir a qualidade da nossa prática, cumprindo sempre os princípios do nosso Código Deontológico, é importante que possamos, tal como lancei em jeito de desafio, reflectir sobre os nossos contextos profissionais, sobre as novas necessidades e inclusive fazer um balanço de competências de modo a preparamo-nos da melhor forma possível, os desafios que possamos vir a ter no nosso dia a dia, com novos problemas complexos, garantindo sempre a qualidade no nosso exercício profissional.
Este caminho não é nem pode ser um caminho solitário, deste modo a OPP criou uma nova área no site, no âmbito da situação de guerra em que vivemos, onde serão disponibilizados vários recursos que poderão ser úteis face aos desafios actuais e futuros – Construir a Paz.