Artigo por Ana Catarina Silva
Estamos ou estaremos em breve, a maior parte de nós, seja na praia, no campo, numa cidade nova, a kms de distância ou na nossa cidade, mas mais desligados, “afastados” do relógio e mais disponíveis para o que habitualmente nos é automático e não temos tempo (disponibilidade) para pensar sobre. Entre muitas outras “actividades de férias”, durante este período são muitas as vezes que me “perco” na observação dos que me rodeiam, nas suas rotinas e práticas profissionais.
Num momento mais imediato não passa disso mesmo, observação e reflexão completamente desprendidas, sem outro objectivo que não o “desligar”, mas ao longo dos diferentes períodos de férias e já com alguma experiência deste exercício, tenho vindo a transformá-lo num exercício de brainstorming, comigo e consciente, traduzindo-o em aprendizagem e operacionalizações futuras.
Como terá surgido a ideia de vender bolinhas na praia?
Como se motiva aquela pessoa, naquela mercearia, no resto do ano (sem os turistas)?
O que levou aquela pessoa a investir naquele negócio, completamente fora da sua experiência profissional e formação, naquele lugar?
Será o dinheiro o único motor?
É muito mais o que nos liga do que o que nos separa, quando falamos de gestão pessoal da carreira, aqui ou em qualquer parte do mundo.
Se os conhecimentos e as evidências da ciência psicológica são fundamentais e somos privilegiados no seu acesso e prática na nossa própria gestão pessoal da carreira, a humildade e a observação de outras carreiras e percursos, em nada ligados à nossa (presente ou futura) área de prática profissional, poderá ser tão ou mais inspirador, motivador e igualmente uma excelente ferramenta à nossa disposição. Não retirando, nem valor, nem legitimidade à preocupação e centralidade que a nossa carreira assume todos os dias, principalmente quando não atingimos ainda o que queríamos (ou definimos como o que queríamos), não cumprimos ainda os nossos objectivos e as dificuldades parecem muito maiores que as soluções, aproveitemos este período de férias para “desligarmos” e refletirmos…
“Será este o único caminho? Será este o melhor caminho? Será este o caminho que permitirá atingir e concretizar? (…) Permito-me parar, perguntar e duvidar se é mesmo “isto” que quero?”
Será este o único caminho? Será este o melhor caminho? Será este o caminho que permitirá atingir e concretizar?
Será este o principal foco e estratégia que trará as “verdadeiras” soluções e resoluções?
Permito-me parar, perguntar e duvidar se é mesmo “isto” que quero?
E mais importante, o que quero eu verdadeiramente? (Um emprego na “minha área”?).
Tal como acredito que o profissional que vende bolinhas na praia deva ter um sabor preferido, mas também não se recusa a vender bolas de alfarroba, quando as “verdadeiras” são as de massa amarela com creme de ovo, estaremos nós, a sabotar-nos e a privar os outros (clientes e mercado de trabalho) do nosso melhor?
Pensarmos hoje que há pessoas que adoram bolas de alfarroba (das mais vendidas, diz o vendedor na praia) era quase impensável há uns anos atrás – parecia um “mercado” tão pequeno e alternativo que, se tivéssemos tido a oportunidade, provavelmente não teríamos arriscado, investido, “não valeria a pena” e “não seria para mim”. Seja qual for a fase de carreira em que nos encontremos, num paralelismo tão leve como as férias devem ser, fecharmos as portas a uma área profissional, seja ela qual for, poderá ser o mesmo que há uns anos atrás as bolas de alfarroba terem sido excluídas e desconsideradas. De igual forma, sendo as bolas de alfarroba das mais vendidas, todos os anos continuam a aparecer novidades nos recheios e massa, assim como se mantém as “originais” de massa amarela e recheio de ovo.
Num equilíbrio entre o vale tudo e o “isto não é para mim”, para estas férias, deixo esta sugestão – “sair” do nosso meio social, cultural, de formação e profissional, olhar o mercado de trabalho pelos olhos dos outros, descentrar-nos da nossa carreira e dos problemas a ela associados ou que lhe associamos e observar conscientemente a(s) carreira(s) e percursos de outros profissionais, desde Psicólogos ao vendedor de bolinhas na praia, num exercício despretensioso, com a leveza que as férias e períodos de pausa impõem, mas consciente e principalmente com a humildade de nos motivarmos e aprendermos com quem não teve medo de arriscar nas bolinhas de alfarroba.