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A Urgência da Psicologia na Era da Pós-Verdade

Na sociedade da informação, os Media (e.g., jornais, televisões, Internet, redes sociais) têm um papel preponderante na formação de consciências e narrativas, moldando a percepção do mundo. Esta centralidade tem reconhecidos problemas, desde logo, colocando estes meios numa relação de co-produção com o real, curvando-se o seu rigor perante interesses e propósitos. Outros constrangimentos incluem a exposição incessante a algoritmos e câmaras de eco, ao chamado jornalismo democrático (fenómeno que descreve o efeito de promoção de notícias baseadas na opinião da maioria) ou ainda ao jornalismo participativo, para o qual todos/as participamos enquanto repórteres, jornalistas, fotógrafos/as ou influencers numa qualquer plataforma. Se este panorama contribui para a variedade de perspectivas e democratização da informação, dele resultam também visões parciais, muitas vezes, espectacularizadas, distorcidas e nem sempre benignas. A era da pós-verdade é um lugar a preto-e-branco, onde narrativas contrastantes, simultâneas e supersónicas ganham mais relevância que os factos.

A ciência psicológica tem dedicado particular atenção aos problemas da infodemia e desinformação, demonstrando que a incapacidade para destrinçar o que é verdadeiro, preciso ou confiável não é apenas é fruto da polarização que caracteriza a pós-verdade, mas também da tendência de identificação com conteúdos alinhados com atributos individuais, sociais, económicos e de classe – de forma geral, favorecemos informação consistente com a nossa mundividência. A investigação mostra ainda que, quando eventos violentos, traumáticos e complexos estão em causa, disputando posições, relatos e imagens e normalizando a violência e o caos (como aconteceu com a pandemia ou, mais recentemente, com a guerra), a exposição ao circo mediático pode ser particularmente negativa – não apenas para a Saúde Mental e Física, mas para o exercício do pensamento crítico e de valores como a tolerância, a solidariedade e a cidadania.

Num artigo anterior, discutimos o papel dos Psicólogos e Psicólogas na promoção do jornalismo responsável e de competências de gestão da informação da informação recebida. Parte dessa tarefa prende-se, justamente, com a capacitação para interpretar e filtrar (des)informação, resistir a conteúdos promotores de visões dicotómicas, preconceituosas, violentas ou estigmatizantes e ainda, a prevenir efeitos psicológicos negativos. Sendo úteis face a qualquer tema, talvez tais competências sejam mais relevantes ainda no contexto da exposição mediática a conteúdos de guerra – manifestamente alimentada por fontes não verificadas, violência explícita e detalhes gráficos, linguagem adjectivante, ausência de contexto e muitas outras formas de desinformação e propaganda. Pelo seu impacto particularmente brutal, o jornalismo de guerra reforça a urgência da acção da ciência psicológica no combate à desinformação.

Uma das abordagens mais promissoras é avançada pelo psicólogo holandês Sander van der Lynden que, partindo da identificação de estratégias de manipulação da opinião pública, desenvolveu uma técnica de involução psicológica (prebunking) prévia à exposição à desinformação. Esta pressupõe o desenvolvimento de um estado de alerta que se inicia com a exposição a uma pequena dose de desinformação sobre dado tema, acompanhada de um racional acerca dos seus aspectos falaciosos e exemplos concretos de como podem ser difundidos. Esta estratégia gera um nível benigno de cepticismo que incita à reflexão sobre a veracidade dos conteúdos, à verificação de fontes e à consideração de evidências antes de aceitar uma informação como verdadeira. O Bad News Game, desenvolvido por van der Lynden, apoia o desenvolvimento destas competências desafiando os/as jogadores/as a usar várias táticas de manipulação para criar e disseminar notícias falsas (apelando às emoções, desacreditando opiniões ou distorcendo factos), com o objectivo de angariar seguidores/as e credibilidade. Colocando-se no papel de produtores/as de desinformação, os/as jogadores/as aprendem a reconhecer estratégias de manipulação usadas nos Media, aumentando a capacidade de reconhecer conteúdos falsos e promovendo um consumo informativo mais crítico.

Considerando a extensão do problema e potencial impacto nas gerações futuras, há muito para fazer no combate à desinformação e aos múltiplos efeitos negativos dos Media. Hoje e no futuro, eles são um palco de intervenção a que os novos/as profissionais da Psicologia devem estar especialmente atentos/as, afirmando os seus múltiplos contributos e liderando uma abordagem multifacetada e multidisciplinar, que abarque não apenas o combate à desinformação, mas a literacia mediática e a cibercidadania, bem como o apoio cientificamente fundamentado a um jornalismo sensível.