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A Psicologia em 2023: Desafios e Tendências

Artigo por Edite Queiroz

A Psicologia é uma ciência largamente dependente do espírito do tempo. As crises sociais, económicas e políticas, a inovação científica e tecnológica ou as transformações no pensamento global face a matérias diversas têm uma influência profunda na amplitude do seu campo de estudo, na investigação, na formação e na prática ou na diversidade de contextos de intervenção, tradicionais ou emergentes. Os grandes desafios do século XXI trouxeram-nos novos temas (a crise climática, as desigualdades e discriminação, a massificação da tecnologia, ou mais recentemente, uma pandemia e o conflito armado ainda em curso), viabilizando e exigindo contributos que extravasam as práticas e modelos tradicionais. Num quadro de aumento global dos problemas de Saúde Psicológica, da insuficiência gritante de cuidados a este nível e de desigualdades estruturais de acesso à informação e à Saúde, confrontamo-nos com enormes demandas e com a imprescindibilidade da nossa presença nos mais diversos contextos. Esta necessidade contínua de expansão do foco da Psicologia é, possivelmente, um dos aspectos mais estimulantes do nosso trabalho.

“Num quadro de aumento global dos problemas de Saúde Psicológica, da insuficiência gritante de cuidados a este nível e de desigualdades estruturais de acesso à informação e à Saúde, confrontamo-nos com enormes demandas e com a imprescindibilidade da nossa presença nos mais diversos contextos. Esta necessidade contínua de expansão do foco da Psicologia é, possivelmente, um dos aspectos mais estimulantes do nosso trabalho.”

Reconhecendo que o panorama global naturalmente impacta os desígnios da nossa ciência, a American Psychological Association (APA) apresenta, anualmente, um conjunto de áreas que consideram constituírem tendências da Psicologia para o ano que se inicia, antecipando-se, em 2023, que mais ainda se acentue a consciência da multiplicidade e urgência da nossa acção.

Uma das tendências mais salientes nos últimos anos, que seguramente se manterá, diz respeito à superação de um viés cultural que marcou a profissão, privilegiou a investigação de determinados grupos, e mesmo legitimou a discriminação e opressão de outros. Num momento histórico de consciencialização e combate às desigualdades e à discriminação, a Ciência Psicológica tem o dever ético de diversificar as populações e fenómenos que investiga, por forma a desenvolver um olhar multicultural e uma compreensão abrangente do comportamento humano.

Os/as profissionais da Psicologia possuem, de facto, ferramentas privilegiadas para liderar este debate, promover a mudança de crenças e comportamentos e apoiar o desenvolvimento de sociedades inclusivas, igualitárias e justas. Esta batalha pode e deve ser travada em vários palcos, em particular, nos locais de trabalho, contextos em que devem continuar a alertar para a urgência de considerar a Saúde Psicológica dos/as trabalhadores/as e a oferecer inestimáveis contributos para a construção de culturas organizacionais que privilegiem a Saúde Psicológica e o bem-estar. Ao mesmo tempo, face à “crise global de Saúde Psicológica” e ao seu particular impacto nas crianças e jovens, os/as Psicólogos/as devem também aprofundar o conhecimento desta realidade, por forma a intervir eficazmente, numa dimensão individual e institucional, junto de escolas ou universidades. Neste âmbito, problemáticas específicos, como a prevenção do suicídio, ganham maior destaque. E na certeza de que nenhuma destas tarefas é possível na ausência da articulação com outras áreas do saber, o nosso combate aos grandes desafios societais é cada vez mais pautado pelo reconhecimento da relevância de abordagens multidisciplinares. Uma das áreas-chave para esta articulação continuará a ser a tecnologia e a IA (Inteligência Artificial) aplicadas ao trabalho dos/as Psicólogos, quer como meios de promoção de literacia, quer como ferramentas de prevenção e promoção que complementam a intervenção “tradicional”.

Este compromisso de alargamento da visão da Psicologia à totalidade da experiência humana acelera, ainda, a urgência de que os insights da Psicologia cheguem a outros/as profissionais e ao público, assistindo-se não só a uma maior disponibilidade dos/as Psicólogos/as para essa partilha imediata, bem como à expansão dos meios e plataformas para o fazer – redes sociais, podcasts, presença nos media, etc. Nesse âmbito, é indispensável continuar a contribuir para o combate urgente à desinformação e fake news, clarificando os seus mecanismos e fornecendo ferramentas para a sua detecção e prevenção.

Por fim, é importante destacar um importante reposicionamento da profissão, decorrente da investigação recente (instigada por um conjunto de eventos críticos): A Saúde Psicológica não diz apenas respeito ao indivíduo, mas depende de um conjunto de determinantes socioeconómicos (por exemplo, o trabalho ou a condição socio-financeira) nos quais temos, também, a capacidade de intervir. Por tal, os/as Psicólogos/as devem continuar, junto de decisores, a advogar por políticas públicas promotoras da Saúde das pessoas comunidades, informadas pela evidência científica e sustentadas numa acção colaborativa e multidisciplinar.

Cada tempo tem os seus desafios – e a sua Psicologia. Este é o nosso tempo. Venha 2023.