Artigo por Vanessa Yan
“Mantém-te prudente perante a novidade. Nunca a procures por ela mesma, mas pela melhoria que é susceptível de proporcionar ao teu trabalho e à tua vida. E essa melhoria depende tanto de ti como da própria novidade.” (Célestine Freinet, A pedagogia do Bom senso).
Recentemente, num congresso de Formação Profissional, deparei-me com esta frase. Por “defeito profissional” liguei-a automaticamente à nossa busca incessante pela novidade, embrenhados num “entretenimento infinito” (expressão utilizada por Jaime Ferreira da Silva no recente webinar sobre Coaching Psicológico) que nos tolda a capacidade introspectiva e, consequentemente, o uso mais eficaz da competência de tomada de decisão, tanto para decisões micro como macro – como é o caso da Carreira.
Muito se tem debatido sobre as novas gerações de trabalhadores e a sua forma de ver a carreira. Parece comummente aceite de que a estrutura cada vez mais complexa e incerta do actual mercado de trabalho fez desaparecer os “empregos para a vida” e que, inclusive, as novas gerações já nem os procuram, pois a carreira é vista como uma sequência significativa de experiências de trabalho ao longo da vida, com o objectivo de possibilitarem a satisfação pessoal e o “sucesso psicológico”, muito associados à aprendizagem e à autonomia.
Daí que a construção das actuais “Carreiras do século XXI” se esteja a tornar numa tarefa exigente e individual, com um grande foco na Capacidade de Adaptação, mas que não deve perder de vista o Sentido de Identidade. Porque podemos ser muito adaptáveis e desejosos (e ansiosos) pelo que é novo, mas se a isso não juntarmos um trabalho constante de auto-reflexão, o nosso padrão de carreira será mais reactivo e “camaleónico”. Aqui, os indivíduos têm as competências para se adaptarem a um contexto em constante mudança, mas devido a uma baixa auto-consciência, limitam-se a reagir ao sabor do acaso ou das exigências exteriores, originando flutuação ou deambulação na carreira, apresentando dificuldades em tomar decisões congruentes com os seus valores, necessidades e objectivos.
Nos últimos anos, com a incerteza global trazida pela pandemia e a guerra, as pessoas estão também a experimentar um tipo de stress relacionado com a tomada de decisão: com o mesmo número de decisões para tomar – ou até mais – têm a agravante de se sentirem com menos recursos (económicos, cognitivos, emocionais…) para o fazer. Ao enfrentar uma decisão, as pessoas que apresentam stress mais facilmente adiam as escolhas, mantêm o padrão anterior ou a opção mais fácil, evitando comprometer-se e abrindo caminho para comportamentos mais redundantes ou impulsivos.
“Podemos ser muito adaptáveis e desejosos (e ansiosos) pelo que é novo, mas se a isso não juntarmos um trabalho constante de auto-reflexão, o nosso padrão de carreira será mais reactivo e “camaleónico”. Aqui, os indivíduos têm as competências para se adaptarem a um contexto em constante mudança, mas devido a uma baixa auto-consciência, limitam-se a reagir ao sabor do acaso ou das exigências exteriores, originando flutuação ou deambulação na carreira“
O que os/as psicólogos/as podem fazer para ajudar – e para se ajudarem?
- Recuperar primeiro o hábito da introspecção – uma das forças do ser humano. Oferecer aos nossos clientes/pacientes e a nós próprios “espaço, tempo e silêncio” nas nossas (auto)intervenções, fará certamente reiniciar este recurso, o que irá permitir tomadas de decisão mais eficientes e congruentes.
- Tornar as decisões mais geríveis – lidar com uma decisão que nos parece esmagadora partindo-a em blocos mais pequenos e começando com os que nos parecem mais manobráveis, pode ajudar-nos a persistir e a tornar os reveses também mais geríveis e possíveis de ultrapassar.
- Procurar o apoio dos outros – a literatura mostra-nos que o apoio emocional e a ligação com os outros é a melhor forma de lidarmos com o stress. E isso faz aumentar o sentimento de auto-controlo, que irá amortecer a sensação de stress e melhorar a qualidade das nossas tomadas de decisão.
Em conclusão, a novidade não terá de ser algo nem a procurar nem a temer se tivermos a consciência de que o facto de nos ter surgido nalguma altura da nossa vida foi ela própria o resultado da nossa acção sobre as circunstâncias e que essa acção deverá ser sempre orientada para uma melhoria contínua – que dependerá, em última instância, de nós próprios!
Referências bibliográficas:
Abrams, Z. (2022). Pandemic-stress and decision-making. Monitor on Psychology, Vol. 53, N.º 4. 28-31.
Conselho de Especialidade da Psicologia do trabalho, social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos Portugueses (2022, Fevereiro). Webinar sobre Coaching Psicológico: Uma especialidade avançada da Psicologia. Dinamizado por Jaime Ferreira da Silva.
Gadassi, R., Gati, I., & Dayan, A. (2012). The Adaptability of Career Decision-Making Profiles. Journal of Counseling Psychology 2012, Vol. 59, No. 4, 612–622.
Neves, M. M., Trevisan, L. N., & João, B. N. (2013). Carreira Proteana: Revisão Teórica e Análise Bibliométrica. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 13(2), maio-ago 2013, pp. 217-232.