Não tenho por hábito escrever na primeira pessoa, mas recentemente vivenciei um episódio que me compeliu a fazê-lo. Durante uma conversa de grupo, ao revelar que era investigador na Ordem dos Psicólogos Portugueses, fui confrontado com uma interrogação “Não me leves a mal, mas a investigação em Psicologia é basicamente senso comum, certo?”. A minha memória falha ao tentar recuperar a resposta dada, porém, recordo-me de ter pensado “Parabéns! Acabaste de ganhar um texto de resposta no Psicarreiras”.
Esta interacção levou-me a mergulhar numa reflexão sobre a natureza e o valor da Psicologia como Ciência. Comecei por digitar “Psicologia + senso comum” no Google até descobrir o texto do cientista Alex Berezow, no qual proclamava “É verdade. A Psicologia não é uma ciência”, argumentando que a sua posição se devia à alegada falta de metodologias experimentais controladas, replicabilidade e testabilidade da Ciência Psicológica.
É possível que ao terem lido os argumentos do parágrafo anterior tenham sentido uma gigante sensação de surpresa, considerando os inúmeros estudos controlados e randomizados que formam a base da nossa disciplina. Adicionalmente, a crise da replicabilidade que se acreditava ser uma sombra que pairava apenas sobre a Psicologia, está presente de forma transversal em todas as áreas da Ciência – 70% das/os cientistas dizem já ter tentado e falhado na replicação de um estudo (Baker, 2016). Além disso, e em resposta às críticas sobre testabilidade, acumulam-se os estudos que testam de forma rigorosa as teorias da Psicologia, como, por exemplo, a investigação de Ruggeri e colaboradores (2024) onde quantificaram o sucesso das recomendações baseadas na Ciência Psicológica para mitigar os riscos da Pandemia COVID-19, sinalizando a eficácia de 89% das medidas.
Revisitando a questão inicial, é evidente que a investigação em Psicologia transcende o senso comum. Aliás, é no momento de desafiar o senso comum e explorar o contra-intuitivo que a Ciência Psicológica brilha. Tomemos, por exemplo, o trabalho do Psicólogo Daniel Kahneman (2012) que desafiou a noção prevalente da racionalidade humana na tomada de decisão. Ou, por outro lado, recordemos as evidências que refutam o mito dos “opostos atraem-se” quando se fala em casais (Horwitz et al., 2023).
A distinção entre a Psicologia e o senso comum reside na adesão ao método científico, com resultados que tanto corroboram as nossas intuições quanto se desviam radicalmente destas. É através da metodologia científica que a nossa área do conhecimento progride e reforça o seu estatuto de Ciência com Evidência.
Prosseguindo neste diálogo sobre Ciência e Psicologia, destaco uma iniciativa da Ordem dos Psicólogos Portugueses particularmente significativa – a Medida de Apoio à Investigação em Psicologia (AISP). Os/As Psicólogos/as (Membros Efectivos da OPP) com projectos de investigação podem beneficiar da Medida AISP para a divulgação dos seus projectos, questionários ou resultados através de diferentes canais da OPP. Os projectos apoiados podem ser consultados na página do Eu Sinto.me.
Convido todos/as os/as Psicólogos/as-Investigadores/as a juntarem-se a nós nesta iniciativa. Colabore com os/as mais de 40 investigadores/as apoiados/as pela Medida AISP, participando activamente no processo de afirmação da Ciência Psicológica enquanto pilar do avanço científico e contribuindo para melhor servir, proteger, promover e priorizar a Saúde Psicológica dos/as portugueses/as.
Talvez assim, com o esforço colectivo de todos/as os/as profissionais da Psicologia, a pergunta inicial que originou esta reflexão – se a Psicologia é ou não senso comum –, com o tempo, venha a perder a sua razão de ser. Talvez assim, em conjunto, consigamos tornar a afirmação “A Psicologia é uma Ciência” uma realidade universalmente reconhecida.
Referências bibliográficas
Baker, M. (2016). Is there a reproducibility crisis? Nature, 533, 452-454.
Horwitz, T., Balbona, J., Paulich, K. & Keller, M. (2023). Evidence of correlations between human partners based on systematic reviews and meta-analyses of 22 traits and UK Biobank analysis of 133 traits. Nature Human Behaviour, 7(9), 1568-1583.
Kahneman, D. (2012). Thinking, Fast and Slow. EUA: Penguin Books.
Ruggeri, K., Stock, F., Haslam, A., … & Willer, R. (2024). A synthesis of evidence for policy from behavioural science during COVID-19. Nature, 625, 134-155.