Artigo por Vanessa Yan
O meu percurso académico e profissional tem sido tudo menos “normal”: segui Ciências no 10.º ano e no 12.º ano mudei para Filosofia. Fui para Ciências da Comunicação e, 4 anos após ter terminado a licenciatura, resolvi mergulhar de cabeça num sonho antigo: Psicologia. Entretanto experimentei muitos trabalhos, em muitas áreas. Um deles, temporário, acabou por durar 15 anos e onde pela primeira vez trabalhei em Psicologia Organizacional. Há 2 anos decidi trabalhar como psicóloga independente, o que me trouxe aprendizagens incríveis. Entretanto, contudo, abracei um desafio ainda mais extraordinário, na OPP. Para colmatar, mantenho uma slash career na música (“Uma Pessoa / Vários Percursos”). E sei que ainda tenho muitas decisões de carreira à minha frente – mesmo após os 40 anos!
Será esta uma carreira assim tão atípica ou cada vez mais vão aparecendo casos como o meu? Será que vão deixar de ser a excepção para se tornar a regra?…
O conceito de Carreira tem mudado enormemente. Desde uma perspectiva mais tradicional até às “carreiras do século XXI”, encontramos formas diferentes de ver e pensar a carreira. Se antes se definia a trajetória profissional como uma progressão vertical, marcada pela estabilidade, em que as pessoas entravam para uma organização e aí exerciam a sua profissão até à reforma, actualmente a responsabilidade pela carreira e pela sua gestão deixou de pertencer às organizações, mas sim às pessoas que nelas trabalham (ou colaboram). A carreira passa a ser uma construção dinâmica e permanente feita pelo próprio indivíduo, uma sequência significativa de experiências de trabalho e não só, com a integração de outros papéis de vida, tais como o familiar, académico, doméstico, social, de lazer e de cidadania, e que visam possibilitar a satisfação pessoal e o sucesso psicológico ao longo de todo o ciclo de vida (Neves, Trevisan & João, 2013; Faria e Queirós, 2021).
Mas o que são as “carreiras do século XXI”? Trazidas pela crescente complexidade e incerteza do mercado de trabalho, as novas carreiras trazem mais responsabilização à pessoa e talvez uma maior liberdade. Aqui ficam os três maiores exemplos:
Carreiras sem fronteiras (Arthur et al, 1996). Os indivíduos movem-se entre organizações, com uma carreira que existe por si mesma e que é valorizada no mercado de trabalho, destacando-se, por isso, a mobilidade física, mas também psicológica, com atitudes propícias às transições de carreira. As pessoas com carreiras sem fronteiras movem-se livremente, recorrendo a competências (gerais ou técnicas) transferíveis a diferentes contextos e de acordo com as suas próprias concepções de sucesso (Faria e Queirós, 2021).
Carreiras proteanas* (Hall, 2004). A carreira é planeada pela pessoa, com base em objetivos definidos individualmente, abrangendo o espaço total de vida, impulsionada pelo sucesso psicológico/subjetivo mais do que pelo sucesso objetivo (salário, categoria/posto ou poder). Os indivíduos assumem um maior controlo sobre o seu percurso de carreira para o bem da sua realização pessoal.
Carreiras inteligentes (DeFillipi e Arthur, 1994). Assentam na responsabilidade de cada um em criar as condições necessárias para o desenvolvimento e atualização constantes de competências centrais e transferíveis, que aumentem a sua empregabilidade ao longo da vida, e que podem ser exploradas e adquiridas em actividades de âmbito pessoal, educativo/formativo ou profissional (Faria e Queirós, 2021).
Nós, enquanto Psicólogos/as, temos muito a ganhar em “aderir” a estes novos conceitos de carreira. Porquê?
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Porque nunca nos devemos esquecer que somos, antes do/a colaborador/a da empresa X ou Y, Psicólogos. Segundo o Ponto 3.3. dos Princípios Específicos do nosso Código Deontológico, sobre Autonomia Profissional, “os/as psicólogos/as exercem a sua actividade de acordo com o princípio da independência e autonomia profissional em relação a outros profissionais e autoridades superiores.” Por isso, a nossa profissão adapta-se bem às carreiras do século XXI, pautadas pela responsabilidade individual, adaptabilidade, flexibilidade e autonomia.
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Porque a nossa Ciência é uma área de trabalho ampla, de “banda larga”. Como a OPP tem vindo sistematicamente a divulgar, há inúmeras áreas de intervenção, emergentes ou já mais consolidadas, em que podemos e devemos ocupar o nosso espaço e trazer para as equipas onde nos inserimos os conhecimentos da Ciência Psicológica – todos temos a ganhar com isso.
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Porque a investigação tem vindo a demonstrar que uma atitude de não fronteiras, proteana e/ou inteligente na carreira estimula a anulação de crenças limitadoras (que nos impedem de obter melhores resultados e alcançar os nossos objetivos) e estimulam as crenças facilitadoras (que nos ajudam a alcançar objetivos e impulsionam a realização pessoal e o sucesso psicológico).
Tudo isto traz “satisfação no trabalho”. Concluo o resultado de um estudo longitudinal realizado durante 15 anos por Palmore e a sua equipa (1969), que demonstrou que a satisfação no trabalho constitui a melhor base previsional sobre a longevidade, ultrapassando os critérios médicos de condição física, de consumo de tabaco ou mesmo de predisposição genética. E quem não quer viver mais e melhor, satisfeito com a vida, em todas as suas vertentes?
Referências bibliográficas:
Faria, L. & Queirós, A.M. (2011). Gestão pessoal de carreira: guia teórico-prático. Lisboa: Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Neves. M. M., Trevisan, L. N., & João, B. N. (2013), Carreira proteana: revisão teórica e análise bibliométrica. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 13(2), 217-232.
Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses – Regulamento Nº 637/2021 – versão consolidada (13 de Julho de 2021).